Diabetes 2, pressão alta e resistência à insulina

O link endócrino e metabólico do COVID-19

Os médicos devem garantir um controle metabólico completo e precoce de todos os pacientes afetados pelo COVID-19.

Autor/a: Stefan R. Bornstein, Rinkoo Dalan, David Hopkins, Geltrude Mingrone & Bernhard O. Boehm

Fuente: Endocrine and metabolic link to coronavirus infection

Indice
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2. Referências bibliográficas
O link endócrino e metabólico do COVID-19

Os médicos devem garantir um controle metabólico completo e precoce de todos os pacientes afetados pelo COVID-19.

Diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão são as comorbidades mais comuns em pacientes com infecções por coronavírus. Evidências emergentes demonstram um importante vínculo mecânico metabólico e endócrino direto com o processo da doença viral.

Os médicos devem garantir um controle metabólico completo e precoce de todos os pacientes afetados pelo COVID-19.

O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) parece ser um fator de risco para contrair a nova infecção por coronavírus. De fato, o DM2 e a hipertensão arterial foram identificados como as comorbidades mais comuns para outras infecções por coronavírus, como a síndrome respiratória aguda grave (SARS) e síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) (1).

De acordo com vários relatórios, incluindo os dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), pacientes com DM2 e síndrome metabólica podem ter um risco de morte até dez vezes maior ao contrair COVID-19 (relatos de coronavírus da CDC). Embora o DM2 e a síndrome metabólica aumentem o risco de sintomas mais graves e mortalidade em muitas doenças infecciosas, existem alguns aspectos mecanicistas específicos adicionais das infecções por coronavírus que requerem consideração separada, o que terá consequências clínicas para um melhor manejo do paciente seriamente afetado.

A hiperglicemia e o diagnóstico de DM2 são preditores independentes de mortalidade e morbidade em pacientes com SARS1. Esse achado pode ser relacionado ao fato de que esses pacientes têm um estado de inflamação metabólica que os predispõe a um aumento na liberação de citocinas. Para COVID-19, uma tempestade de citocinas (isto é, níveis muito altos de citocinas inflamatórias) tem sido implicada na falência múltipla de órgãos em pacientes com doença grave (3).

inflamação metabólica também pode comprometer o sistema imune, reduzindo a capacidade do corpo para combater a infecção, prejudicando o processo de cura e prolongando a recuperação.

Um modelo animal demonstrou que a DM2 comórbida resulta em uma desregulação imunológica e aumenta a gravidade da doença após a infecção por MERS-CoV2. Neste trabalho, camundongos diabéticos que expressam DPP4 humano (que resulta na suscetibilidade ao MERS-CoV) exibiram um perfil de citocinas alterado, com aumento da expressão de IL-17α após a infecção.

Esses dados corroboram a hipótese de que a combinação da infecção por coronavírus e DM2 desencadeia uma resposta imune desregulada, resultando em uma patologia pulmonar mais prolongada e agravada (2).

 
Uma ligação endócrina direta

O coronavírus SARS-CoV-2 (que causa o COVID-19) entra nas células humanas através da glicoproteína presente na ponta do envelope, que também é responsável pela transmissão do hospedeiro para hospedeiro.4 Localizada na superfície do vírus, essa glicoproteína se liga à enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2; localizada nas células humanas) para entrar na célula. Além disso, a serina protease celular TMPRSS2 é necessária para iniciar a entrada viral através do ECA2 (4).

No sistema respiratório, o ECA2 tem a função de degradar a angiotensina II para a angiotensina 1–7 e atua como um ponto regulatório essencial para o sistema da angiotensina. Quando a atividade da ECA1 aumenta e a ECA2 é inibida, a angiotensina II intacta atua através do receptor da angiotensina 1 (AT1R) ou AT2R para exercer respostas pró-inflamatórias e estimular a secreção de aldosterona. Esses efeitos não apenas aumentam a pressão sanguínea e potencialmente causam hipocalemia, como também aumentam a permeabilidade vascular localmente, aumentando o risco de síndrome do desconforto respiratório.

Em contraste, a angiotensina 1-7 atua na via do receptor Mas (do sistema renina angiotensina aldosterona), porém desencadeando respostas anti-inflamatórias e antifibróticas, que seriam favoráveis à recuperação de pacientes com COVID-19 (5). Pode-se postular que pessoas com COVID-19 mais grave apresentam um desequilíbrio na ativação dessas vias, com um aumento na ativação do AT1R e AT2R, o que pode ser o caso de  DM2, hipertensão e estados de resistência à insulina.

Um link metabólico direto

Além de uma relação entre infecção por coronavírus e pressão alta, parece haver um vínculo direto com o diabetes tipo 2.

No pâncreas, a ligação do coronavírus SARS (SARS-CoV, que causa SARS) ao seu receptor, ECA2, danifica as ilhotas e reduz a liberação de insulina (6).

Em um estudo, os pacientes com SARS que não tinham histórico de DM2 e não receberam tratamento com esteroides foram comparados com seus irmãos saudáveis ??durante um período de acompanhamento de três anos. Mais de 50% dos pacientes no estudo tornaram-se diabéticos durante a hospitalização por infecção por SARS-CoV. Após 3 anos da recuperação da infecção viral, apenas 5% dos pacientes permaneceram diabéticos (6).

A medida que o pâncreas endócrino humano expressa a ECA2, o coronavírus pode entrar nas ilhotas e causar disfunção aguda das células β, o que leva a hiperglicemia aguda e DM2 transitório.

Ressalta-se ainda que as evidências em ratos diabéticos mostraram aumento dos níveis de atividade da ECA2 no pâncreas. Essa descoberta sugere que pacientes com DM2 podem ser particularmente vulneráveis ??a uma infecção por coronavírus. Da mesma forma, o DM2 induz a expressão de enzimas conversoras de angiotensina em outros tecidos, incluindo pulmão, fígado e coração, o que explica por que o DM2 pode contribuir mecanicamente para a falência múltipla de órgãos nas infecções por SARS-CoV (7).

?Consequências clínicas imediatas

Com base nos dados discutidos aqui, é evidente que o controle metabólico ideal do DM2 e parâmetros metabólicos associados em pacientes com COVID-19 é obrigatório.

Isso não é apenas relevante devido ao perigo óbvio e ao aumento do risco de complicações para pacientes com DM2 e doença infecciosa grave, mas também porque essa abordagem pode ajudar no tratamento de todos os pacientes com COVID-19.

Os fármacos anti-diabéticos, como os agonistas de GLP-1, que melhoram a função metabólica e induzem a atividade de vias protetoras do receptor de ECA2, podem ter a vantagem de melhorar o metabolismo da glicose e a pressão sanguínea, além de impedir a entrada de coronavírus nas células como resultado da ligação competitiva à ECA2. Esse efeito pode ajudar a proteger e restaurar a função pulmonar (5).

Da mesma forma, o tratamento precoce com bloqueadores dos receptores da angiotensina II (como losartana ou telmisartana) ou, mais diretamente, ECA2 recombinante, pode ser útil para melhorar o sistema ECA2 e o receptor Mas, em preferência às vias mediadas pelo receptor da angiotensina. Esta abordagem permitiria a combinação de um efeito antidiabético, anti-inflamatório e antiviral.

Por fim, o inibidor sintético da protease camustat, que bloqueia a serina protease TMPRSS2, necessária para a entrada do coronavírus mediada por ACE2 nas células4, também reverte a dislipidemia e a hiperglicemia(8).

A ligação intrigante entre infecções por coronavírus e essas vias endógenas e metabólicas terá um importante efeito no tratamento médico geral de COVID-19 grave.

Os glicocorticóides que têm sido úteis no tratamento de síndrome do desconforto respiratório agudo podem não ser indicados em pacientes infectados com coronavírus.

Os glicocorticóides não apenas exacerbam o controle metabólico, mas também atenuam a expressão dos receptores angiotensina 1-7 e Mas (9). Portanto, eles podem ter um papel limitado no tratamento de pacientes com COVID-19.

Por outro lado, o fármaco antirreumático hidroxicloroquina, que agora é amplamente utilizada em muitos centros ao redor do mundo que tratam pacientes com COVID-19, também despertou interesse como uma possível intervenção terapêutica para pacientes com DM2 (10). Nesse momento, não está claro se a hidroxicloroquina, além dos medicamentos anti-inflamatórios e antidiabéticos, também irá interferir diretamente nas vias coronavírus-ECA2.

Conclusões

  • O COVID-19 não é primariamente uma doença metabólica, mas o controle metabólico da glicose, dos níveis lipídicos e da pressão arterial é fundamental nesses pacientes.
     
  • Essa abordagem é importante no tratamento das complicações cardiovasculares e metabólicas bem estabelecidas dessa comorbidade primária.
     
  • Além disso, o controle eficaz desses parâmetros metabólicos poderia representar uma abordagem específica e mecanicista para prevenir e melhorar os efeitos agudos desse vírus, ao reduzir a resposta inflamatória local e bloquear sua entrada nas células.