Conceitos práticos na gastroenterologia

Prurido anal

Em 75% dos casos, alguma patologia simultânea é encontrada, sendo necessária uma história detalhada e um exame completo

Autor/a: Dres Mariano Marcolongo, Josefina Etchevers, Juan Andrés De Paula, Emilio Varela

Transtornos que nos afetam em gastroenterologia

Escolhemos este título para definir um conjunto específico de condições difíceis de gerenciar. De acordo com o Dicionário da Royal Academy, um distúrbio é definido como uma "ligeira alteração da saúde" e o verbo perturbar significa "perturbar ou remover a tranquilidade ou a calma". Os médicos muitas vezes ficam incomodados com essas condições que, por não serem graves, alteram muito o paciente e representam um motivo frequente de consulta. Em muitos casos, carecemos de um tratamento eficaz e a bibliografia é insuficiente para nos ajudar. O objetivo deste guia é saber até onde avançamos no estudo e tratamento dessas doenças, o que os especialistas pensam e o que a medicina baseada em evidências contribui.

Índice da série:

  1. Estomatite aftosa recorrente
  2. Síndrome da boca ardente
  3. Prurido anal
  4. Soluços persistentes
  5. Dor anorretal funcional
  6. Arroto excessivo
  7. Globus Pharynx
  8. Halitose

Em cada um deles faremos uma introdução onde resumiremos os fundamentos do conhecimento médico atual e os tratamentos habitualmente recomendados. A seguir, nos aprofundaremos na literatura recomendada e no que a medicina baseada em evidências informa quando estiver disponível.


Prurido anal

O prurido anal é definido como um prurido intenso e crônico que envolve a pele perianal. Afeta 1-5% da população e varia de leve a grave. Quando é grave e persistente, chegando a ponto de o paciente ter que se afastar para não se coçar em público, afeta significativamente a qualidade de vida e pode levar à síndrome depressiva.

É classificado como idiopático quando nenhuma lesão concomitante é encontrada. No entanto, como em 75% dos casos, alguma patologia simultânea é encontrada, uma história detalhada e um exame completo são necessários antes de incluí-la nesta categoria.

Uma grande quantidade de causas possíveis foi relatada, mas as mais comuns são anorretais, especialmente hemorróidas e fissuras. O tratamento depende do interesse do médico por essa condição pouco atraente, da qual os pacientes costumam ficar constrangidos.

Epidemiologia

Predomina entre a quarta e sexta década de vida e é 4 vezes mais frequente no sexo masculino.

Etiopatogenia

Na maioria dos casos, não é identificada a causa responsável pelo problema, podendo-se dizer que sua origem é idiopática em 50-90% dos casos. Quase sempre há um ciclo vicioso entre coceira e coceira que gera lesões que exacerbam a coceira.

Uma causa importante é a contaminação fecal da pele perianal. Isso não é apenas de origem higiênica e também não é inevitável. A contaminação fecal pode ser óbvia ou oculta. A “sujeira” oculta pode ser insuficiente para que o paciente perceba, mas suficiente para causar coceira e coceira, causando o círculo vicioso descrito.

Há estudos que relatam que pacientes que sofrem de prurido anal tendem a apresentar fezes relatáveis, sendo rara a constipação.

Embora ocorra na minoria dos casos, infecções bacterianas, fúngicas ou mesmo oxiuríase também devem ser levadas em consideração. A infecção fúngica é responsável por 15% do prurido anal. Dermatofitose ou micose também devem ser consideradas.

A Candida, embora seja um comensal conhecido, torna-se patogênica em diabéticos ou após o tratamento com antibióticos ou corticosteroides. A dermatite de contato alérgica pode ser causada por alguns sabonetes, lenços umedecidos e papel higiênico tingido.

Algumas condições dermatológicas, como a psoríase, podem se apresentar de forma perianal localizada. O mesmo pode ser dito do líquen e das doenças de Bowen e Paget.

Tratamento

As condições dermatológicas devem ser tratadas pelo especialista correspondente. O paciente deve ser informado sobre a natureza crônica do distúrbio, não apenas para reduzir as expectativas de cura rápida, mas também para melhorar a aceitação do conselho dado.

A gestão consiste em três aspectos que funcionam em paralelo:

  1. Evitar os irritantes e a coceira

Medidas de eliminação: possíveis irritantes como coçar, cremes, sabonetes, banhos de espuma, papel higiênico, lenços umedecidos e certos alimentos e bebidas (Tabela 1) devem ser evitados

Mais comuns

  • Café (mesmo que descafeinado)
  • Chá
  • Coca Cola
  • Bebidas a base de café
  • Álcool (em especial vinho e cerveja)

Outros

  • Produtos lácteos
  • Amendoim, nozes e avelãs
  • Especiarias
  • Alimentos cítricos
  • Uvas
  • Pipoca
  • Alimentos picantes
  • Ameixa seca
  • Figo

A roupa íntima não precisa ser justa e deve ser de algodão, evitando-se fibras sintéticas. Detergentes perfumados não serão usados ​​para lavá-lo.

2. Medidas gerais de controle:

A área deve ser lavada com bidê ou ducha, sem uso excessivo de água e evitando o uso de sabonete, certificando-se de que após a lavagem a região perineal esteja bem seca, mas evitando esfregar, recorrendo se necessário a um secador de cabelo à temperatura baixa. Alguns pacientes têm bons resultados usando uma pequena bola de algodão para manter a área seca.

Embora as parasitoses sejam mais comuns em crianças, vale a pena investigar a presença de oxiúros com o teste de Graham.

As unhas devem ser cortadas rente à medida que a coceira piora à noite com o calor da cama e o paciente pode coçar durante o sono, mantendo o círculo de coceira.

3. Tratamento ativo

A patologia local deve ser investigada e tratada. Todas as dermatofitoses (micose) devem ser tratadas com aplicações tópicas de imidazol ou terbinafina.

O estreptococo ß -hemolítico, o E. aureus e o Corynobacterium minutissimum devem ser eliminados com antibióticos tópicos, como o ácido fusidílico.

Se o paciente não estiver constipado, o vazamento fecal pode ser reduzido pela adição de fibra ou psyllium à dieta, junto com a loperamida.

A resposta a um anti-histamínico por via oral também pode ser testada. Sintomas leves a moderados podem ser tratados com um creme esteróide tópico em baixas concentrações, como hidrocortisona a 1% aplicada pela manhã e à noite após a lavagem. Nos casos refratários, a tatuagem com capsaicina e azul de metileno tem sido usada.

Leitura recomendada

Siddiqi S, Vijay V, Ward M, Mahendran R y Warren S. Pruritus ani. Ann R Coll Surg Engl 2008: 457 – 463