Diretriz e prática clínica

Obesidade pediátrica: diretrizes para avaliação e tratamento

Principais orientações da Sociedade Americana de Pediatria para lidar com sobrepeso, obesidade e comorbidades em crianças e adolescentes.

Autor/a: Sarah E. Hampl, et al.

Fuente: Pediatrics February 2023; 151 (2): e2022060641. 10.1542/peds.2022-060641 Executive Summary: Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Treatment of Children and Adolescents With Obesity.

A obesidade é uma das doenças crônicas pediátricas mais comuns nos Estados Unidos. Há muito tempo, ela tem sido estigmatizada como uma consequência reversível de escolhas pessoais, mas, na realidade, envolve fatores genéticos, fisiológicos, socioeconômicos e ambientais complexos.

Para auxiliar os profissionais de saúde sobre a avaliação e tratamento de crianças com sobrepeso, obesidade e comorbidades relacionadas, a Sociedade Americana de Pediatria desenvolveu uma diretriz de prática clínica. Abaixo é apresentado um resumo das principais orientações:

  1. Pediatras e outros profissionais de saúde devem medir a altura e o peso, calcular o índice de massa corporal (IMC) e avaliar o seu percentil utilizando gráficos de crescimento específicos para idade e sexo do CDC ou gráficos para crianças com obesidade grave. Essa avaliação deve ser realizada pelo menos uma vez ao ano em todas as crianças de 2 a 18 anos de idade para rastrear sobrepeso (IMC ≥ percentil 85 e < percentil 95), obesidade (IMC ≥ percentil 95) e obesidade grave (IMC ≥ 120% do percentil 95 para idade e sexo).
  2. Pediatras e outros profissionais de saúde devem avaliar crianças de 2 a 18 anos com sobrepeso (IMC ≥ percentil 85 e < percentil 95) e obesidade (IMC ≥ percentil 95) para comorbidades relacionadas à obesidade. Essa avaliação deve incluir uma história clínica abrangente, triagem de saúde mental e comportamental, avaliação dos determinantes sociais da saúde (SDoH), exame físico e estudos diagnósticos.
  3. Os profissionais devem obter um histórico de sono, incluindo sintomas de ronco, sonolência diurna, enurese noturna, dores de cabeça matinais e desatenção, em crianças e adolescentes com obesidade, para avaliar a possibilidade de apneia obstrutiva do sono (OSA). Caso apresente algum sintoma de distúrbio respiratório durante o sono, deve ser solicitado a polissonografia.
  4. Em adolescentes do sexo feminino com obesidade deve ser avaliado as irregularidades menstruais e sinais de hiperandrogenismo para analisar o risco de síndrome dos ovários policísticos (SOP).
  5. Monitorar sintomas de depressão em crianças e adolescentes com obesidade e realizar uma avaliação anual para depressão em adolescentes com 12 anos ou mais, utilizando uma ferramenta formal de autorrelato.
  6. Realizar uma revisão do sistema musculoesquelético e exame físico (por exemplo, rotação interna do quadril em crianças em crescimento, marcha) como parte da avaliação de obesidade.
  7. Recomendar restrição imediata e completa da atividade, sem carga sobre o peso, com o uso de muletas, e encaminhar para avaliação emergencial por um ortopedista, caso se suspeite de epifisiólise femoral superior (SCFE).
  8. Manter um alto índice de suspeita para hipertensão intracraniana idiopática (IIH) em casos de dores de cabeça de início novo ou progressivas no contexto de ganho de peso significativo, especialmente em meninas.
  9. Em crianças com 10 anos ou mais, pediatras e outros profissionais de saúde devem avaliar anormalidades lipídicas, alterações no metabolismo da glicose e função hepática anormal em crianças e adolescentes com obesidade (IMC ≥ percentil 95) ou sobrepeso (IMC ≥ percentil 85 e < percentil 95).
  10. Em crianças com 10 anos ou mais com sobrepeso (IMC ≥ percentil 85 e < percentil 95), pediatras e outros profissionais de saúde podem avaliar alterações no metabolismo da glicose e na função hepática na presença de fatores de risco para diabetes mellitus tipo 2 ou doença hepática gordurosa não alcoólica. Em crianças de 2 a 9 anos com obesidade (IMC ≥ percentil 95), eles podem avaliar anormalidades lipídicas.
  11. Pediatras e outros profissionais de saúde devem tratar crianças e adolescentes com sobrepeso (IMC ≥ percentil 85 e < percentil 95) ou obesidade (IMC ≥ percentil 95) e comorbidades de forma simultânea.
  12. Pediatras e outros profissionais de saúde devem avaliar dislipidemia solicitando um perfil lipídico em jejum em crianças com 10 anos ou mais com sobrepeso (IMC ≥ percentil 85 e < percentil 95) e obesidade (IMC ≥ percentil 95). Essa avaliação pode ocorrer também em crianças de 2 a 9 anos com obesidade.
  13. Pediatras e outros profissionais de saúde devem avaliar pré-diabetes e/ou diabetes mellitus utilizando glicemia plasmática de jejum, glicemia plasmática após 2 horas de um teste de tolerância oral à glicose (75 g de glicose) ou hemoglobina glicada (HbA1c).
  14. Pediatras e outros profissionais de saúde devem avaliar a esteatose hepática não alcoólica (NAFLD) por meio da dosagem de alanina aminotransferase (ALT).
  15. Pediatras e outros profissionais de saúde devem avaliar hipertensão arterial medindo a pressão arterial em todas as consultas a partir dos 3 anos de idade em crianças e adolescentes com sobrepeso (IMC ≥ percentil 85 e < percentil 95) e obesidade (IMC ≥ percentil 95).
  16. Pediatras e outros profissionais de saúde devem tratar o sobrepeso (IMC ≥ percentil 85 e < percentil 95) e a obesidade (IMC ≥ percentil 95) em crianças e adolescentes, seguindo os princípios do modelo de cuidado médico continuado e de cuidado crônico. O tratamento deve ser centrado na família e conduzido de forma não estigmatizante, reconhecendo os fatores biológicos, sociais e estruturais que contribuem para a obesidade.
  17. Pediatras e outros profissionais de saúde devem utilizar a entrevista motivacional (MI) para engajar pacientes e suas famílias no tratamento do sobrepeso (IMC ≥ percentil 85 e < percentil 95) e da obesidade (IMC ≥ percentil 95).
  18. Pediatras e outros profissionais de saúde devem oferecer ou encaminhar crianças com 2 anos ou mais com sobrepeso e obesidade para tratamento intensivo de comportamento e estilo de vida. Esse é mais eficaz com maior número de horas de contato; a abordagem mais efetiva inclui 26 ou mais horas de tratamento presencial, baseado na família e multicomponente, ao longo de um período de 3 a 12 meses.
  19. Pediatras e outros profissionais de saúde devem oferecer farmacoterapia para perda de peso a adolescentes com 12 anos ou mais e obesidade (IMC ≥ percentil 95), de acordo com as indicações, riscos e benefícios dos medicamentos, como complemento ao tratamento de comportamento e estilo de vida saudável.
  20. Pediatras e outros profissionais de saúde devem oferecer encaminhamento para adolescentes com 13 anos ou mais e obesidade grave (IMC ≥ 120% do percentil 95 para idade e sexo) para avaliação de cirurgia metabólica e bariátrica.

Em resumo, a obesidade em crianças e adolescentes é uma doença crônica, complexa, multifatorial e tratável. A guia recomendou a avaliação precoce e o tratamento com a maior intensidade possível, conforme o apropriado e disponível. Além disso, a compreensão dos determinantes da obesidade é fundamental para permitir que os pediatras e outros profissionais de saúde aumentem a conscientização sobre a relevância dos determinantes sociais e ambientais da obesidade infantil em suas comunidades.