Um problema frequente e heterogêneo

O uso do clonixinato de lisina na dor do idoso

As dores articulares são prevalentes na população idosa e associadas a incapacidade significativa.

Autor/a: Dra. Fânia Cristina Santos

Fuente: O uso do clonixinato de lisina na dor do idoso

Indice
1. Página 1
2. Referências Bibliográficas
Introdução

A dor nos idosos tem impacto na função física e em aspectos psicossociais e relacionados à qualidade de vida, por isso ela deve ser sempre reconhecida e considerada como muito relevante nesses indivíduos.1

Quando se trata de dores articulares, as quais são muito prevalentes na população idosa e associadas a incapacidade significativa, principalmente se acometidas as articulações que suportam o peso corporal, como os joelhos e os quadris, elas podem ser predisponentes a quedas, representando mais um grande problema no envelhecimento.2-4

Assim, esquemas terapêuticos voltados à adequada analgesia devem ser sempre contemplados e devem envolver medidas eficazes tanto não farmacológicas como farmacológicas.5,6 Discutiremos, a seguir, aspectos relacionados à abordagem de um idoso com dor articular aguda no joelho, perpassando por avaliação da dor, diagnóstico e tratamento.

Caso clínico

> Identificação

Paciente de 73 anos de idade, sexo masculino, branco, viúvo, natural de Guaratinguetá e procedente de São Paulo.

> Queixa e duração

Dor de forte intensidade no joelho direito há 12 dias.

> História pregressa da moléstia atual

O paciente compareceu à consulta médica referindo dor no joelho direito de forte intensidade, sem irradiação, principalmente ao caminhar e imediatamente no início da deambulação e do repouso, acompanhada de rigidez matinal fugaz, há cerca de 12 dias. Referiu não ter apresentado trauma local prévio e que, apesar de ser portador de osteoartrite (OA) daquele joelho, há anos não apresentava nenhuma sintomatologia relacionada.

Por causa desse quadro, procurou um serviço médico, há cinco dias, sendo solicitada ressonância magnética (RM) do joelho direito e receitado paracetamol 750 mg, um comprimido de oito em oito horas, por sete dias. Após alguns dias, a dor ainda continuava com forte intensidade, passando a prejudicar sua deambulação, por isso ele procurou novamente atendimento médico.

> Antecedentes pessoais e hábitos

É hipertenso de longa data, mas não utiliza nenhuma medicação. Negou tabagismo ou etilismo. Referiu ser sedentário

> Antecedentes familiares

Mãe falecida aos 80 anos de idade com demência de Alzheimer.

> Exame físico (direcionado)

Apresentava o joelho direito em atitude de leve flexão (10º a 15º) e crepitação, contraturas musculares locais e dor à palpação da sua interlinha lateral, bem como certa deformidade articular. Com a flexão do joelho em apoio monopodálico, houve relato de grande piora da dor e de desequilíbrio. Não se observaram sinais de flogose nem de derrame articular.

> Exames complementares

Na consulta, trouxe a RM do joelho acometido realizada há sete dias, na qual se evidenciaram diminuição moderada dos espaços articulares, esclerose subcondral e osteófitos no seu compartimento medial. Também foi evidenciado discreto derrame articular.

> Tratamento

Pensou-se num quadro de gonalgia aguda relacionada a OA de joelho e foram feitas as seguintes orientações:

  • Proteção do joelho direito por meio de repouso relativo e uso de bengala contralateral para a deambulação, visando à redução da carga sobre o membro afetado e à melhora álgica;
  • Fisioterapia analgésica e voltada à reabilitação, no sentido de corrigir as contraturas musculares e melhorar a potência muscular;
  • Uso do clonixinato de lisina (CL), que é um analgésico anti-inflamatório com a particularidade de apresentar grande potência analgésica e ação anti-inflamatória.7,8 A dose prescrita foi de um comprimido de 250 mg por via oral a cada oito horas, por 10 dias.

> Evolução

Após 15 dias, o paciente retornou referindo estar muito melhor. Ao exame físico, não mais apresentava contraturas musculares ou dor à palpação do joelho. Referiu que seguiu corretamente as orientações e ainda continuava com o tratamento fisioterapêutico analgésico e com fins de reabilitação. O CL foi utilizado pelo período prescrito e não se relacionou a nenhum efeito colateral.

Discussão

Referente à gonalgia aguda em indivíduos idosos, existem características próprias do ponto de vista clínico, etiológico e terapêutico. Nesses casos, sempre se deve verificar a história de trauma local; se negativa, deve-se pensar em “insuficiência de estruturas anatômicas” e, ainda, em indivíduos com antecedente de OA de joelho, deve-se pensar em processo degenerativo, como a OA, a qual de assintomática pode passar a sintomática após maior esforço no membro acometido, por exemplo. A OA de joelho geralmente é bilateral e apresenta sintomas de evolução crônica, podendo ocorrer agudizações álgicas. No caso de “insuficiência do joelho”, a dor aguda é unilateral, após a quinta década de vida, principalmente em mulheres, e acomete a região medial do joelho (local de maior carga).9

Segundo Camanho,9 dentre as gonalgias agudas em idosos, destacam-se, principalmente, a lesão meniscal por fadiga, a osteonecrose idiopática e a fratura por fadiga, com as imagens da RM demonstrando edemas ósseos, associados ou não a traços de fratura. Essas afecções estão relacionadas a “síndrome da insuficiência do joelho” e são mencionadas como uma mesma condição patológica em fases evolutivas diferentes.9 Assim, dever-se-ia estar sempre atento aos diagnósticos diferenciais da OA agudizada com a síndrome citada.

No caso clínico apresentado, a observação clínica e a RM com alterações articulares degenerativas sugeriram o diagnóstico de OA sintomática. Nesse caso, o alívio da dor com anti-inflamatórios não hormonais (AINHs) foi uma opção, como sugerem duas grandes diretrizes atualizadas recentemente (2019): OARSI e ESCEO.10 (Figura 1)Os AINHs são, em geral, superiores ao paracetamol na analgesia da dor associada a OA.11

Figura 1. Algoritmos de tratamento OARSI e ESCEO simplificados para o tratamento não cirúrgico da osteoartrite (OA) de joelho em pacientes sem comorbidades.

A lista de tratamentos está de acordo com a ordem recomendada de prescrição de tratamentos das diretrizes atualizadas de 2019 para o tratamento da OA, publicadas pela European Society for Clinical and Economic Aspects of Osteoporosis, Osteoarthritis and Musculoskeletal Diseases (ESCEO) e pela Osteoartrite Research Society International (OARSI). Nas recomendações da OARSI, as avaliações físicas são realizadas conforme necessário, antes de entrar no algoritmo de tratamento. Os tratamentos do estágio 3 do algoritmo ESCEO representam a última opção farmacológica antes da cirurgia de substituição do joelho. TCC: terapia cognitivo-comportamental; COX2: ciclo-oxigenase 2; AHIA: ácido hialurônico intra-articular; IBP: inibidor da bomba de prótons; SYSADOAs: medicamentos sintomáticos de ação lenta para osteoartrite. Adaptada de: Arden NK, et al. Nat Rev Rheumatol. 2021;17(1):59-66.10

Os idosos estão expostos a maiores riscos de eventos adversos com os AINHs,5,6 assim, o uso deles deve ser criterioso nesses indivíduos. O CL é um AINH que se particulariza por apresentar grande potência analgésica central e periférica e menor ação anti-inflamatória.12 Também, o CL já teve sua segurança demonstrada em vários estudos;13-15 entre eles, a nossa casuística com o CL numa população idosa exclusiva que apresentava OA sintomática de joelho.15

Considerações finais

O diagnóstico diferencial de dor aguda no joelho por exacerbação da OA é realizado pela história clínica, seja por rigidez matinal fugaz, pelo caráter da dor ou pela presença de crepitação e deformidade articulares, e realizado por meio do exame de imagem.

Sobre o uso de fármacos analgésicos em idosos, vale ressaltar que esses indivíduos têm a farmacocinética e a farmacodinâmica alteradas, assim, apresentam maior risco de efeitos adversos. A escolha do analgésico a ser empregado na população idosa deve ser criteriosa, buscando-se aqueles eficazes e seguros. As características do CL, como a sua eficácia analgésica, independentemente da presença de processos inflamatórios ou hiperálgicos, e seu desprovimento de efeitos adversos significativos, favorecem o uso no idoso, em um período curto de utilização.


A autora, Dra. Fânia Cristina Santos

CRM-SP 70.907

Professora doutora da Disciplina de Geriatria e Gerontologia (DIGG) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Especialista em Geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e em Dor pela Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED). Membro do “Comitê de Dor no Idoso” da SBED e da “Comissão de Dor” da SBGG.