Microbiota e ambiente germ-free

Probióticos, simbióticos e a saúde da criança

Benefícios dos probióticos na gestação e aleitamento materno, e seu impacto no desenvolvimento da microbiota intestinal das crianças criadas no ambiente germ-free da quarentena

Autor/a: Normeide Pedreira dos Santos França

Fuente: Probióticos, simbióticos e a saúde da criança

Indice
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2. Referências bibliográficas

A microbiota humana refere-se aos micro-organismos que habitam os órgãos e tecidos, em uma relação harmônica (eubiose) ou em desequilíbrio (disbiose)¹. A microbiota humana mais estudada até o momento é a do intestino, onde estão 60% a 70% das células do sistema imunológico1,2 e que consiste em um ecossistema complexo, um “órgão oculto” com características individualizadas e ampla atividade trófica, metabólica, de barreira à invasão de patógenos¹ e modulação da resposta imune, incluindo indução de tolerância e regulação entre a resposta Th1 (inflamação) e Th2 (alergia)3,4.

A aquisição e a diversidade da microbiota intestinal são influenciados por fatores genéticos, ambiente intraútero, idade gestacional, via de parto, alimentação e estressores perinatais como infecções e uso de antibióticos, entre outros5,6-9.

A cesariana impede o contato com a microbiota vaginal e intestinal da mãe e interfere na formação da microbiota intestinal do recém-nascido (RN). Esta terá uma composição mais simples durante a amamentação, com prevalência de bifidobactérias10 e mais complexa após desmame7,9, tanto nos lactentes em aleitamento materno quanto naqueles em uso de fórmulas10.

O conhecimento das funções da microbiota intestinal estimulou estudos com o uso de probióticos e prebióticos para restauração do equilíbrio da microbiota em situação de disbiose e como profilaxia11. Probióticos são micro-organismos vivos que, quando usados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde12, e prebióticos são ingredientes alimentares que nutrem micro-organismos intestinais e favorecem o predomínio das bactérias benéficas sobre as prejudiciais. São os galacto-oligossacaríos (GOS), de origem láctea, e os frutooligossacarídeos (FOS) derivados de inulina uma espécie de fibra presente em alguns vegetais. Ambos são abundantes no leite materno12.

Benefícios do uso de probióticos na gestão e no aleitamento materno

Tem sido descrito que o consumo de probióticos e prebióticos pela gestante pode modular a imunidade inata fetal e placentária. A utilização de Lactobacillus rhamnosus e Bifidobacterium lactis durante a gestação e lactação modulou a expressão de genes relacionados ao receptor Toll-like (TLR) em amostras de placenta e mecônio e aumentou a quantidade de fator de transformação de crescimento beta (TGF-β2) no leite de mães de lactentes com risco familiar para atopia, além de reduzir a sensibilização a alérgenos inalatórios e alimentares durante o aleitamento materno exclusivo13,14. Diante da indicação de cesárea eletiva, por exemplo, sugere-se o uso desses produtos pela gestante, por 14 dias ou até dois meses antes do parto, com o objetivo de fornecer uma ferramenta inicial para combater desafios de saúde como obesidade e doenças imunoinflamatórias, de início no recém-nascido e com grande repercussão na infância e idade adulta15.

Estudos randomizados duplos-cegos e controlados por placebo evidenciaram boa resposta à utilização de Lactobacillus paracasei e Lactobacillus acidophilus para o tratamento da diarreia aguda em crianças australianas, vietnamitas e em Bangladesh16-18.

Em relação à constipação, o uso de formulação de probióticos contendo Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus rhamnosus, Lactobacillus paracasei e Bifidobacterium lactis, com ou sem associação a prebiótico (FOS), resultou em melhora significativa19-21.

Também o consumo desses probióticos foi efetivo para prevenção e controle de doenças alérgicas como a dermatite atópica, com melhora dos sintomas clínicos, do número de crises (p < 0,001), do Scoring Atopic Dermatitis – SCORAD (p = 0,001) e, ainda, ofereceu proteção significativa contra eczema, além de modificar a suscetibilidade genética ao eczema infantil, a sua gravidade e o risco de atopia diante de história familiar13,22,23.

Impacto no desenvolvimento da microbiota intestinal das crianças no ambiente germ-free da quarentena

Atualmente vivemos em um ambiente “quase” germ-free, com limpeza excessiva, alto consumo de antissépticos bucais, sabonetes íntimos e diversos produtos antimicrobianos. Adicionalmente, tem havido uso mais frequente de antibióticos e presença de outros fatores inerentes a hábitos urbanos, como o baixo consumo de alimentos de fermentação natural e o aumento da ingestão de alimentos esterilizados.

Esse estilo de vida diminuiu a exposição da mucosa gastrointestinal a micro-organismos, o que resulta em alterações na microbiota intestinal15, comprometimento do desenvolvimento do tecido linfoide associado ao intestino e de funções como a peristalse, pouco efetiva em ambiente estéril².

Nos últimos meses, em decorrência da pandemia da COVID-19, a exacerbação das medidas de higiene tem sido orientada como uma das poucas estratégias disponíveis para prevenção da doença. Além disso, as crianças se encontraram restritas em suas casas, sem frequentar a escola ou espaços sociais e com alterações em sua rotina de sono e de alimentação.

Essas modificações na vida das crianças poderão exercer algum impacto sobre a sua microbiota intestinal, com possíveis mudanças epidemiológicas na ocorrência de alguns agravos relacionados, tornando-se importante a realização de estudos pós-pandemia para avaliar esse impacto.

Conclusão

A associação entre algumas doenças e a microbiota já é bem estabelecida e, para reduzir o adoecimento e melhorar a qualidade de vida, há embasamento científico que suporta recomendações terapêuticas e profiláticas do uso de probióticos, prebióticos e simbióticos (associação de probióticos e prebióticos em um mesmo produto).

Intervenções nos primeiros mil dias de vida, como alimentação saudável da gestante, estímulo ao parto vaginal e ao aleitamento materno têm suma importância para a aquisição de uma microbiota adequada pelo recém-nascido e lactente.

O uso de probióticos para a gestante e lactente, principalmente diante da história familiar de atopia, deve ser considerado e, idealmente, com as cepas mais estudadas referidas nos estudos acima.

 


A autora, Dra. Normeide Pedreira – CRM 8227–BA

Infectologista pediatra; doutora em Medicina e Saúde Humana; professora adjunta da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); autora dos livros “A Criança Passo a Passo”, “A Consulta Pediátrica Pré-natal” e “Bookvac”; secrátia do Departamento de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) 2019–2022.