Revisão Aprofundada

O papel do uso de simbióticos no manejo das diarreias de diferentes causas

Os alimentos funcionais são vistos como promotores de saúde e seu uso está associado à redução do risco de desenvolvimento de doenças crônicas degenerativas e não transmissíveis, como os simbióticos.

Autor/a: Dra. Vânia Mattoso

Indice
1. Texto Principal
2. Referência bibliográfica

O intestino é um dos maiores órgãos do corpo humano e tem funções fundamentais. Entre as funções mais importantes, destacam-se a digestão e absorção de nutrientes e o papel de barreira entre o meio externo e interno tendo, por isso, uma contribuição relevante para regulação do sistema imune. Um dos mecanismos essenciais para tais funções é a atuação da microbiota intestinal (XU et al., 2022).

Entende-se por microbiota intestinal um ecossistema complexo com inúmeros microrganismos, como as bactérias, vírus e protozoários, que colonizam o intestino (JANDHYALA et al., 2015; LEE et al., 2021). Quando a composição de tais microrganismos está em quantidade e qualidade adequada, contribuem de maneira positiva em diversas funções, como: digestão e a absorção de nutrientes; função imune; modulação da barreira epitelial intestinal, produção de neurotransmissores e hormônios, produção de vitaminas e minerais, dentre outras (SKRZYDłO-RADOMAńSKA et al., 2021).

As bactérias utilizam substratos, tais como as fibras alimentares (FA) solúveis, para realizar a fermentação, obtendo energia para seu metabolismo e produzindo subprodutos, como os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) (RINNINELLA et al., 2019). Os AGCC, denominados acetato, propionato e butirato têm ação local, nutrindo os enterócitos, e são absorvidos no intestino. Dessa forma, eles têm influência positiva na saúde e prevenção de doenças intestinais e metabólicas, tendo impacto desde a digestão e absorção de nutrientes até a regulação da função imune e do metabolismo de macronutrientes (RINNINELLA et al., 2019; USUDA; OKAMOTO; WADA, 2021).

As FA são definidas como carboidratos não digeríveis que podem ser enquadradas como fibras funcionais, ou seja, que geram efeitos fisiológicos favoráveis (IOM, 2002). Estas estão presentes principalmente em alimentos de origem vegetal e podem ser classificadas em solúveis e insolúveis. O primeiro grupo tem característica mais viscosa e são fermentadas por bactérias presentes no cólon, alterando positivamente o trânsito intestinal e o pH, e produzindo subprodutos fisiologicamente ativos com ação local e sistêmica. As que possuem a capacidade de ser um substrato para fermentação bacteriana, são conceituadas como fibras prebióticas e, assim, alteram positivamente a quantidade, composição e atividade metabólica da microbiota intestinal (ROBERFROID et al., 2010; LEE et al., 2021).  Já o segundo grupo, as fibras insolúveis, tem como papel principal aumentar o volume do bolo fecal (BERNAUD; RODRIGUES, 2013).

O consumo de uma dieta rica em vegetais e, consequentemente, em FA, é eficiente para aumentar a diversidade e complexidade da microbiota (CHIBA; NAKANE; KOMATSU, 2019). Contudo, por vezes, a alimentação não é suficiente para proporcionar a quantidade recomendada de FA. De acordo com os dados de consumo alimentar coletados na Pesquisa de Orçamentos Familiares, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o consumo médio de FA em homens de 19 a 59 anos foi de 26,5g, enquanto o de mulheres na mesma faixa etária foi 19,4g (IBGE, 2020); sendo a recomendação para tal faixa etária, respectivamente, 38g e 25g de FA ao dia (IOM, 2002). Dados de 2021 mostraram que o consumo de frutas e hortaliças, que estão entre os principais grupos fonte deste componente alimentar, é baixo, indicando que até 78,6% da população brasileira não consuma tais alimentos de forma regular (BRASIL, 2021).

Assim, por vezes, pode ser necessária a suplementação de fibras prebióticas, que agem significativamente na melhora da saúde e microbiota intestinal, atuando diretamente como substrato e, indiretamente, por meio da melhora da função intestinal (BERNAUD; RODRIGUES, 2013). Entre os suplementos de prebióticos estudados para tal, estão os frutanos do tipo inulina, como a inulina e os frutooligossacarídeos (FOS).

Os frutanos do tipo inulina são classificados de acordo com o grau de polimerização das cadeias lineares, ou seja, a quantidade de moléculas combinadas para formar a cadeia. Dessa forma, a inulina contém o maior grau de polimerização, enquanto os FOS possuem um menor grau. Tal fato impacta em diferentes características, como a solubilidade e a velocidade de fermentação. Assim, a inulina, por possuir uma cadeia maior, é fermentada mais lentamente, em relação aos FOS, produzindo, em menor velocidade, metabólitos, como os AGCC, mas também gases (HUGHES et al., 2022).

A inulina ocorre de forma natural em frutas e vegetais, e atua de forma positiva no ambiente colônico, promovendo o crescimento de bactérias benéficas para a saúde e levando a melhora da função intestinal, diminuindo quadros de constipação (AMADIEU et al., 2021; A REIMER et al., 2020). Também há indícios de que quadros de diarreia, por diferentes causas, podem apresentar melhora por meio da suplementação de inulina associada às cepas de Bifidobactérias, por aumentar a produção de AGCC (PLAZA-DIAZ et al., 2019). Os mecanismos que explicam tal achado são: promover o crescimento de bactérias benéficas; controlar o crescimento de patógenos; reduzir o pH, de maneira a evitar a formação de compostos tóxicos; regular a atividade de células imunes, entre outras (XU et al., 2022).

Os FOS têm um papel fundamental como substrato para bactérias, como as bifidobactérias e, assim, atuam na produção de AGCC, principalmente butirato (SKRZYDłO-RADOMAńSKA et al., 2020). O butirato é fundamental para a saúde intestinal uma vez que fornece energia para os colonócitos, tendo ação na manutenção da integridade da barreira epitelial, além de estimular a expressão de claudina-2 e mucina colônica (PLAZA-DIAZ et al., 2019; USUDA; OKAMOTO; WADA, 2021). Ademais, atua nas células e fatores imunes relacionados ao intestino, levando a melhora de casos de alergias e Doenças Inflamatórias Intestinais (DII) (XU et al., 2022; SKRZYDłO-RADOMAńSKA et al., 2020).   

Além da presença das fibras prebióticas na alimentação do indivíduo, o tempo de trânsito intestinal é um fator que implica na composição e diversidade da microbiota (VANDEPUTTE et al., 2015). Esse depende da motilidade intestinal, ou seja, os movimentos intestinais, que determina as características e a frequência das fezes durante o processo de evacuação e tem por objetivo eliminar os constituintes alimentares não digeridos e não absorvidos, além de células e componentes da microbiota (ROLLET; BOHN; VAHID, 2021).

Considera-se “normal” a frequência evacuatória entre três vezes por semana a três vezes ao dia. Assim, a mudança desse padrão é reconhecida como uma complicação gastrointestinal, podendo ser agrupada em constipação, diarreia ou síndrome do intestino irritável (ROLLET; BOHN; VAHID, 2021).

A diarreia crônica é caracterizada pelo aumento da frequência evacuatória e da consistência reduzida das fezes por mais de quatro semanas. Pode ocorrer por diferentes causas, como consequência por desequilíbrios da microbiota, parasitoses e infecções gastrointestinais, síndrome do intestino irritável, alteração estrutural do intestino, uso de medicamentos, secundária a doenças, má absorção, dentre outras (SCHILLER; PARDI; SELLIN, 2017; ARASARADNAM et al., 2018). A prevalência em adultos varia entre 3% e 5%, sendo de difícil diagnóstico devido às múltiplas causas primárias ou secundárias (GÓMEZ-ESCUDERO; REMES-TROCHE, 2021). 

O desequilíbrio da composição e diversidade dos microrganismos que habitam o intestino é definido como disbiose intestinal. Tal quadro pode ser causado por diversos fatores, como dietas, medicamentos, patógenos e fatores ambientais, e pode gerar um estado de inflamação crônica de baixo grau, levando ao desenvolvimento de doenças no longo prazo (LI et al., 2021; PLAZA-DIAZ et al., 2019).

O aumento da população de bactérias patogênicas, nos quadros de disbiose, causa elevação na produção de lipopolissacarídeos (LPS), que induzem danos às células epiteliais, aumentando a permeabilidade intestinal. Dessa forma, há níveis mais altos de fragmentos bacterianos passando pelas junções oclusivas e, consequentemente, acessando a corrente sanguínea, agravando quadros de doenças já existentes ou gerando surgimento de novas, por meio do aumento da inflamação e de outros mecanismos relacionados. Dentre as doenças relacionadas a esse cenário estão: doença inflamatória intestinal (DII), neoplasias, distúrbios neuropsiquiátricos, doenças renais e doenças cardiometabólicas (USUDA; OKAMOTO; WADA, 2021).

Entre as possibilidades terapêuticas que temos disponíveis hoje em literatura para tratar a disbiose intestinal, está o uso de prebióticos e probióticos. Probióticos são microrganismos vivos que, se administrados na dose correta, promovem benefícios significativos à saúde do hospedeiro (SKRZYDłO-RADOMAńSKA et al., 2021). Os probióticos podem contribuir para inibição do crescimento de patógenos, manutenção e/ou recuperação da integridade do epitélio intestinal, modulação da hipersensibilidade visceral, diminuição de distúrbios digestivos, como diarreia, constipação e dispepsia funcional, o manejo de doença inflamatória intestinal (DII) e manifestações de fundo alérgicos (SKRZYDłO-RADOMAńSKA et al., 2021; PLAZA-DIAZ et al., 2019; LEE et al., 2021). Além disso, há os simbióticos, suplementos que contém probióticos com adição de prebióticos, potencializando as ações.

Como mencionado anteriormente, quando ocorre a quebra dessa homeostase da microbiota, aumenta-se a suscetibilidade de crescimento de bactérias patogênicas ou patobiontes, que podem levar a quadros de diarreia, síndrome do intestino irritável (SII), alergias e outras (LI et al., 2021). É visto em literatura que em quadros de diarreia, como nas gastroenterites, o uso de Lactobacillus acidophilus favorece a redução de sintomas agudos (CHENG et al., 2022).

 A SII, sobretudo quando associada à diarreia crônica, é um quadro desafiador para o corpo de saúde. Dentre as opções de manejo, está o uso de probióticos múltiplas cepas, principalmente Lactobacillus e Bifidobacterium, que demonstraram melhorar sintomas clínicos gerais, como consistência das fezes, intensidade da dor, flatulência e urgência fecal (SKRZYDłO-RADOMAńSKA et al., 2021). Ainda, sabe-se que tais microorganismos encontram-se em proporções diminuídas em indivíduos com SII, e isso se faz importante, uma vez que tais bactérias estão associadas a produção de fatores protetores, como AGCC, para manutenção da barreira epitelial (SKRZYDłO-RADOMAńSKA et al., 2020).

Além disso, a hipersensibilidade visceral presente na SII pode dificultar o consumo de fibras por pessoas acometidas por tal condição. Contudo, bactérias como a Bifidobacterium lactis HN019 utiliza FA para fermentação, com a produção de AGCC e outros produtos finais não gasosos, sendo uma opção viável para esse grupo (CHENG; LAITILA; OUWEHAND, 2021).

Ademais, encontrada na SII e em outras condições, a alteração da barreira epitelial, com aumento da permeabilidade, aponta para uma translocação anormal de moléculas de tamanho grande ou absorção excessiva destas moléculas do lúmen para a circulação sistêmica (USUDA; OKAMOTO; WADA, 2021). Essa barreira é formada por complexos juncionais célula-célula, tendo como constituintes principais as proteínas claudina e ocludina.  Metabólitos de Bifidobacterium lactis HN019 podem aumentar a força de tais complexos, mantendo e recompondo a integridade da barreira (CHENG; LAITILA; OUWEHAND, 2021).

O uso de medicamentos, especialmente antibióticos por longos prazos, pode levar a efeitos colaterais, como a diarreia associada a antibióticos (DAA). Os mecanismos não estão bem elucidados, entretanto, os amplamente aceitos são: o efeito direto dos agentes antibacterianos na mucosa intestinal; a modificação da diversidade e quantidade da microbiota intestinal, propiciando o crescimento de bactérias patogênicas (como de Clostridioides difficile) e alterando os metabólitos; e, o acúmulo de moléculas de carboidratos não digeridas, levando a diarreia osmótica (ALLEN et al., 2013; LIAO et al., 2020).

Nesse caso, existe a indicação do uso de probióticos, visto que eles impedem o desenvolvimento de DAA, pelos seguintes mecanismos: alteração do pH intestinal original, que é inadequado para a reprodução do patógeno; inibição da secreção de toxinas bacterianas; competição por nutrientes e ligação a locais com bactérias patogênica; proteção da mucosa intestinal; e, suporte para a barreira imunológica (ZHANG et al., 2022; LIAO et al., 2020).

Além das fibras alimentares e dos probióticos, alguns nutrientes são importantes para a manutenção da função gastrointestinal. Dentre estes, o zinco, um oligoelemento, participa de diversas funções, principalmente como cofator enzimático. Sabe-se que a deficiência de zinco está associada a diversas condições de saúde, como disfunção imunológica e gastrointestinal, infecções e diarreia (LI et al., 2022). Entre os mecanismos possíveis para explicar tal associação, está a ação do zinco na manutenção da integridade da barreira intestinal, por atuar na regulação da montagem das proteínas que constituem a barreira, reduzindo a permeabilidade (GUTHRIE et al., 2015; LINDENMAYER; STOLTZFUS; PRENDERGAST, 2014). Por haver uma alta prevalência de deficiência de zinco em países em desenvolvimento e, devido a atuação do zinco na função intestinal, é visto que a suplementação desse mineral reduz novos quadros e a gravidade de diarreia (LI et al., 2022).

Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que o uso de simbióticos e zinco são eficazes para o manejo de quadros de diarreia, uma vez que os simbióticos atuam na regulação da homeostase da microbiota intestinal, na produção de metabólitos, na integridade da barreira intestinal e na modulação da imunidade (LI et al., 202).