Introdução |
A encefalite límbica autoimune (ELA) é uma doença inflamatória que afeta os lobos temporais mediais; classicamente se apresenta com rápida deterioração neuropsiquiátrica. Os pacientes com ELA podem apresentar uma ampla gama de sintomas de condições neuropsiquiátricas, o que significa que podem ser avaliados inicialmente por médicos de uma ampla gama de especialidades.
A princípio, o quadro foi descrito como um fenômeno paraneoplásico, mas posteriormente, com a descoberta de anticorpos causadores de doenças, foi demonstrado que nem sempre é paraneoplásico. Embora a ELA seja rara, a incidência de encefalite autoimune aumentou na última década, em grande parte impulsionada por uma melhor detecção de anticorpos.
É comumente diagnosticada incorretamente, no entanto, o diagnóstico e o tratamento precoces podem melhorar os resultados.
A abordagem para o diagnóstico da encefalite límbica autoimune foi revisada, com base nos achados de grandes estudos de coorte e caso-controle, que representam o mais alto nível de evidência neste campo.
Os critérios diagnósticos para ELA apresentados por Graus et al. (2016), que visam prevenir o sobrediagnóstico da doença e são altamente específicas. Esses critérios servem como um excelente recurso para especialistas e clínicos gerais. Esta revisão não abordou do tratamento, por ser competência dos especialistas.
Características clínicas |
Os sintomas típicos refletem a disfunção das estruturas límbicas do cérebro e incluem déficits de memória de curto prazo, mudanças comportamentais, ansiedade, depressão, psicose e convulsões. Ocorre com mais frequência em adultos de meia-idade, mas pode afetar pessoas de todas as idades, desde crianças a adultos mais velhos.
Ritmo de progressão da doença |
Em estudos retrospectivos de pacientes com ELA, o tempo médio desde o início dos sintomas até a avaliação clínica foi geralmente de várias semanas. Seguindo os critérios de Graus, a apresentação subaguda é uma marca registrada do transtorno.
Embora a doença deva ser considerada em qualquer paciente com distúrbio de memória rapidamente progressivo, alterações comportamentais, sintomas psiquiátricos ou convulsões de causa desconhecida, um indivíduo que apresenta sintomas neurológicos de início súbito provavelmente sofreu um insulto neurológico agudo ou sistêmico, como um acidente vascular cerebral ou ingestão de toxinas.
No entanto, é importante não classificar a doença do paciente como aguda antes de questionar a família, amigos ou cuidadores sobre problemas sutis de memória ou mudanças comportamentais nos dias ou semanas anteriores. Em contraste, um indivíduo pode parecer ter declínio acelerado levando à suspeita de ELA, mas então ver que houve declínio cognitivo mais brando ao longo de muitos meses ou mesmo anos.
Embora certos anticorpos estejam associados a uma apresentação mais insidiosa da doença, um curso prolongado deve alertar o médico para a possibilidade de um diagnóstico alternativo de doença neurodegenerativa.
Movimentos involuntários |
Os médicos devem perguntar aos cuidadores sobre quaisquer espasmos antes da apresentação, como convulsões. Esses movimentos involuntários consistem em breves contrações que afetam a face, o braço e, às vezes, a perna ipsilateral, durando alguns segundos; pode ocorrer até centenas de vezes ao dia e costuma ser refratário ao tratamento com drogas antiepilépticas. Foram associados a anticorpos contra a proteína 1 inativada do glioma rico em leucina (LGI1), o anticorpo causador de ELA mais comum.
A encefalite anti-LGI1 pode produzir outros sintomas que provavelmente resultem na atividade convulsiva focal, como as sensações de calor, piloereção ou tontura paroxística, mas as convulsões são especialmente úteis ao diagnóstico, pois são quase patognomônicas desta doença, observadas apenas em uma minoria de casos.
Um estudo retrospectivo de 26 pacientes com essas crises descobriu que, em 20 deles (77%), elas precederam o declínio cognitivo típico da ELA; portanto, convulsões podem ser uma indicação de doença neurológica autoimune prodrômica em um paciente com apresentação aguda.
Por que o diagnóstico rápido e correto é essencial? |
Em um estudo, muitos sintomas tradicionalmente infecciosos, como febre, não foram facilmente distinguidos entre uma causa infecciosa ou uma causa imunomediada. A identificação da ELA é importante porque facilita o uso precoce da imunoterapia que, em estudos observacionais, raramente tem sido associada a uma frequência reduzida de convulsões, recuperação da cognição e provavelmente aumento da sobrevida.
O reconhecimento da ELA também desencadeia a detecção de malignidade, especialmente em pacientes com anticorpos que frequentemente predizem a presença de um tumor. A detecção de qualquer neoplasia oculta é essencial, pois, em última análise, a malignidade pode determinar o resultado clínico.
Criterios diagnósticos para a encefalite límbica |
Um diagnóstico pode ser feito quando todos os 4 dos seguintes critérios são atendidos: • Início subagudo (progressão rápida de menos de 3 meses) de déficits de memória de curto prazo, convulsões ou sintomas psiquiátricos que sugerem envolvimento do sistema límbico. • Anormalidades cerebrais bilaterais na recuperação da inversão atenuada por fluido ponderada em T2 na imagem de RM, restrita aos lobos temporais mediais. • Pelo menos um dos seguintes critérios: - Pleocitose no LCR (contagem de leucócitos de mais de 5 células por mm3). - EEG com atividade epiléptica ou de ondas lentas envolvendo os lobos temporais. • Exclusão de causas alternativas |
EEG: Eletroencefalograma . LCR: líquido cefalorraquidiano. RM: resonância magnética |
Quais testes auxiliam o diagnóstico da encefalite límbica autoimune? |
> Ressonância magnética
A ressonância magnética (RM) do cérebro pode mostrar alterações no lobo temporal medial, típicas da doença e é recomendada por consenso de especialistas em casos suspeitos.
A tomografia por emissão de pósitrons com 18-fluorodeoxiglicose (18-FDG PET) do cérebro pode ser ainda mais sensível para anormalidades do lobo temporal; mas em certos lugares não é tão acessível.
A ressonância magnética continua sendo uma técnica de neuroimagem de primeira linha.
Para fazer o diagnóstico definitivo da ELA, é necessário encontrar anormalidades nas imagens bilaterais, restritas à porção medial dos lobos temporais, na ausência de anticorpos.
É importante notar que outras doenças, como as encefalites infecciosas e inflamatórias, bem como as doenças vasculares ou neoplásicas, podem acometer essas estruturas.
Diagnóstico diferencial das anormalidades do lobo temporal na ressonância magnética |
Em uma revisão retrospectiva de 251 casos suspeitos de encefalite com anormalidades do lobo temporal na ressonância magnética, quase 25% foram decorrentes de encefalite por vírus herpes simplex; portanto, é importante descartar essa infecção potencialmente devastadora em pacientes com suspeita de ELA.
Alterações unilaterais no lobo temporal e na ínsula e o não envolvimento dos gânglios da base são sinais na RNM sugerem encefalite por vírus herpes simplex em vez de ELA. Outras considerações infecciosas incluem o vírus varicela zoster, tuberculose e neurossífilis. Testes apropriados para essas entidades devem ser considerados no início do curso da doença.
Diversas doenças não infecciosas podem afetar os lobos temporais e ser confundidas com ELA. Os gliomas podem causar anormalidades difusas do lobo temporal na ressonância magnética, enquanto as características de imagem de neoplasias de alto grau, como necrose, realce irregular e edema vasogênico, estão ausentes no início.
Embora se pensasse classicamente que a ELA ocorresse apenas em um único lobo, em um estudo retrospectivo, o envolvimento da parte medial de ambos os lobos temporais também foi observado em 54% dos pacientes com suspeita de ELA que posteriormente desenvolveram glioblastoma na RM. Portanto, a ressonância magnética é recomendada para qualquer paciente com possível ELA que evolua de forma atípica, como transformação maligna indicativa de uma neoplasia de alto grau.
As convulsões também podem causar anormalidades de imagem do lobo temporal, mas o controle precoce das convulsões apenas com drogas antiepilépticas, a ausência de sintomas neuropsiquiátricos prodrômicos e a resolução das alterações do lobo temporal após a cessação da atividade convulsiva apoiam as mudanças observadas na ressonância magnética relacionada a convulsões e não à ELA.
O AVC isquêmico que afeta o lobo temporal medial geralmente se apresenta de forma aguda, mas às vezes só causa um déficit neurocognitivo leve, e os pacientes podem atrasar a consulta ao médico.
Um histórico médico detalhado é necessário para diferenciar uma progressão subaguda dos sintomas ao longo dos dias de um insulto neurológico estático que ocorreu dias anteriores. Na ressonância magnética, um sinal anormal restrito a um território vascular ajuda a distinguir isquemia de acidente vascular cerebral da ELA.
Eletroencefalograma |
Ocasionalmente, os pacientes com ELA podem apresentar um eletroencefalograma (EEG) normal, o que não exclui o diagnóstico. No entanto, o EEG geralmente mostra atividade de onda lenta ou descargas epileptiformes dos lobos temporais desses pacientes, considerada uma indicação de inflamação cerebral.
Em uma análise retrospectiva de 19 pacientes com encefalite autoimune e convulsões, 10 de 16 pacientes com EEGs ictais (63%) tiveram um início de convulsão na região do lobo temporal, refletindo as anormalidades do lobo temporal medial vistas na ressonância magnética em três quartos dos participantes.
Ressalta-se que as anormalidades eletroencefalográficas nos lobos temporais sem alteração nas imagens não são suficientes para fazer o diagnóstico da ELA, na ausência de anticorpos, segundo os critérios de Graus.
Na prática clínica, um EEG com atividade de onda lenta ou descargas epileptiformes dos lobos temporais em um paciente com possível ELA deve levantar a suspeita da doença, mesmo se a ressonância magnética inicial for normal. Nesses casos, a repetição da ressonância magnética pode ser considerada para detectar o desenvolvimento de anormalidades do lobo temporal medial.
Análise do líquico cefalorraquidiano |
A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) pode fornecer evidências de neuroinflamação em pacientes com possível ELA.
Em um estudo retrospectivo de 50 pacientes com ELA paraneoplásico, cerca de 50% tiveram uma modesta pleocitose leucocitária no LCR (<100 células/µl), enquanto três quartos das amostras testadas mostraram a presença de bandas oligoclonais. No entanto, em uma maior análise retrospectiva de dados agrupados de 205 pacientes com ELA, foram observadas pleocitose de leucócitos e bandas oligoclonais, cada uma em quase 25% das amostras de LCR.
A presença de pleocitose leucocitária e bandas oligoclonais no LCR auxiliam no diagnóstico da ELA, no contexto clínico adequado. Sua sensibilidade diagnóstica é baixa, o que se reflete nos critérios de Graus, que não requerem a presença de pleocitose leucocitária ou bandas oligoclonais no LCR para o diagnóstico da doença, mesmo na ausência de anticorpos.
O teste de LCR também é útil para excluir doenças que imitam a ELA, particularmente a encefalite por vírus herpes simplex. Um estudo retrospectivo descobriu que o perfil do LCR sozinho (contagem de leucócitos, contagem de glóbulos vermelhos, proteína e glicose) não poderia diferenciar de forma confiável entre encefalite por herpes simplex e ELA.
O teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) para o vírus herpes simplex no LCR tem alta sensibilidade e especificidade diagnóstica, mas os médicos devem estar cientes de que o PCR pode ser negativa no início da doença. Se o PCR for negativo, mas ainda houver suspeita clínica ou de neuroimagem de encefalite por herpes simples, o tratamento antiviral deve ser continuado enquanto se aguarda o resultado de uma segunda amostra de LCR.
Teste de anticorpos |
O teste de anticorpos onconeuronais, superfície celular ou proteínas sinápticas é muito útil quando há suspeita da ELA, uma vez que a positividade de um anticorpo específico da doença pode fazer o diagnóstico em pacientes que, de outra forma, não atendem aos critérios de Graus. O reconhecimento de que a ELA possa estar associada à malignidade foi seguido pela descoberta de anticorpos antineuronais que suportam um mecanismo de doença imunomediada.
Em um estudo retrospectivo de ELA paraneoplásica, anticorpos contra antígenos neuronais expressos por um tumor (denominados anticorpos onconeuronais) foram identificados em 60% dos pacientes (n=50), com predomínio do sexo feminino).
A maioria dos anticorpos detectados foram os anti-Hu ou Ma2, que são encontrados classicamente em câncer de pulmão de células pequena e em tumor testicular, respectivamente. Os anticorpos onconeuronais se unem a antígenos intracelulares, e são, por tanto, de importância patogênica pouco esclarecida na ELA, podem ser um epifenômeno de um processo mediado por células T citotóxicas, que pode levar a danos neuronais irreversíveis e desfechos clínicos insatisfatórios.
Anticorpos anti-sistema intracelular |
O antígeno da descarboxilase do ácido glutâmico também pode estar associado à ELA, mas com títulos muito mais altos do que os tipicamente observados no diabetes mellitus tipo 1. Mais recentemente, anticorpos dirigidos à superfície da célula neuronal ou proteínas sinápticas foram descobertos em pacientes com a doença autoimune; eles se ligam a antígenos extracelulares e, portanto, são mais prováveis de serem patógenos. Esses anticorpos estão associados de forma variável à malignidade, e os pacientes geralmente melhoram com a imunoterapia, devido à reversão da disfunção neuronal mediada por anticorpos.
Em um estudo retrospectivo de 163 pacientes com EnLA, anticorpos foram encontrados em 93% dos casos, a maioria deles dirigidos contra a superfície neuronal ou as proteínas sinápticas LGI1 (44%), receptor de ácido γ-aminobutírico B (GABABR) (16%), receptor do ácido α-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolpropiônico (AMPAR) em 7% e contactina associada à proteína 2 (CASPR2) (6%).
Observa-se que a presença de anticorpos contra os canais de potássio dependentes de voltagem foi inicialmente relatada na ELA, mas posteriormente descobriu-se que alvejava as proteínas associadas LGI1 e CASPR2, ao invés das proteínas dependentes de voltagem dos canais do próprio potássio. Os anticorpos contra o receptor N-metil-daspartato (NMDAR) também podem ser identificados, mas são mais frequentemente encontrados em pacientes com ressonância magnética normal e uma síndrome clínica característica (encefalite anti-NMDAR), consistindo em comportamento anormal, disfunção da fala, convulsões, discinesias ou disautonomia.
Abordagem dos testes de anticorpos |
Os testes de anticorpos séricos e LCR são necessários para detectar os anticorpos mais comumente identificados na ELA (anti-LGI1, GABABR, AMPAR, CASPR2, Hu, Ma2 e GAD), para maximizar o desempenho diagnóstico, como alguns anticorpos (por exemplo, Anti- LGI1) são mais sensíveis no soro e outros (por exemplo, anti-GABABR) podem ser identificados apenas no LCR.
O teste de anticorpos também é útil mesmo em um paciente que já atende aos critérios de Graus para ELA, uma vez que um anticorpo positivo pode indicar a probabilidade de um tumor específico, participando do laudo de triagem de malignidade.
Se a triagem inicial for negativa, a presença de um anticorpo com uma forte associação de tumor deve levar à detecção repetida de malignidade, para garantir que a presença de uma neoplasia oculta não seja ignorada, mesmo que o diagnóstico da ELA tenha sido descartado.
Um anticorpo positivo ainda requer investigação se estiver fortemente associado a um tumor subjacente (por exemplo, anti-Hu). Se o laboratório relatar anticorpos positivos em um paciente considerado improvável de ter ELA, estudos confirmatórios devem ser realizados para descartar resultados falso-positivos.
Conclusão |
O diagnóstico preciso da encefalite límbica autoimune é essencial para garantir o tratamento adequado da doença e maximizar a probabilidade de um bom resultado para o paciente.
Embora os critérios publicados recentemente forneçam uma estrutura diagnóstica valiosa para ELA, é importante entender a razão por trás do uso de ferramentas diagnósticas convencionais (ressonância magnética, EEG e análise de LCR), bem como suas limitações.
Enquanto as dúvidas permanecem, a crescente descoberta de anticorpos contra proteínas onconeuronais, de superfície celular e sinápticas representa um grande avanço no diagnóstico refinado da ELA.
Resumo e comentário objetivo: Dra. Marta Papponetti