Introdução |
A bactéria comensal Propionibacterium acnes desempenha um papel crucial na manutenção da saúde da pele, mas também pode atuar como um patógeno oportunista na acne vulgar. Descobertas recentes elucidaram o papel crítico do equilíbrio entre os filotipos desta bactéria e da microbiota cutânea no desenvolvimento da acne. Contrariando a crença anterior, a sua proliferação não é a principal desencadeadora da acne; em vez disso, a perda da diversidade microbiana da pele, juntamente com a ativação da imunidade inata, pode levar a esta condição inflamatória crônica.
Além disso, investigações genômicas e metagenômicas levaram à mudança da denominação de P. acnes para Cutibacterium acnes, refletindo suas características específicas de colonização da pele e a caracterização inicial de seus diferentes filotipos. Por essa razão, Dreno e colaboradores (2018) realizaram uma revisão com o objetivo de fornecer dados mais recentes, reavaliando o papel de P. acnes/C. acnes e seus diferentes filotipos na acne.
Novos dados sobre a taxonomia de C. acnes |
> Reclassificação de Propionibacterium acnes como Cutibacterium acnes
Recentemente, uma análise detalhada do genoma das bactérias da família Propionibacteriaceae elucidou sua filogenia e os processos adaptativos que permitiram a adaptação de P. acnes à pele humana. Esse estudo levou à criação de um novo gênero, Cutibacterium, que incluiu as espécies cutâneas anteriormente classificadas como Propionibacterium. Identificaram-se genes específicos, como os de lipase, que degradam lipídios do sebo, e a perda de outros segmentos de DNA como parte da adaptação evolutiva. Assim, Propionibacterium acnes foi renomeado para Cutibacterium acnes para refletir essas mudanças adaptativas e diferenciá-lo de outras espécies ambientais.
Estudos utilizando diversas técnicas baseadas em DNA avaliaram a grande diversidade e complexidade da população de C. acnes e levaram a um rápido progresso na caracterização de seus principais filotipos. Para facilitar a compreensão, uma denominação harmonizada de filotipos baseada na filotipagem inicial (IA1, IA2, IB, II e III) foi utilizada nesta revisão.
Tabela. Resumo das nomenclaturas dos filotipos de C. acnes obtidos com os principais métodos de tipagem descritos e correspondentes complexos clonais, tipos ou ribotipos. Imagem adaptada de Dreno et al., 2018.
Filotipos de C. acnes |
> Cepas específicas de C. acnes associadas à acne
Alguns estudos revelaram que certas cepas de C. acnes estão associadas à acne, com o filotipo IA1 predominantemente ligado a casos moderados a graves, enquanto outros, como IB, II e III, estão mais relacionados à pele saudável e infecções oportunistas. Técnicas como eMLST8 e PCR demonstraram a variabilidade na distribuição de filotipos em diferentes tipos de lesões de acne. Embora o IA1 seja o mais comum, não há diferenças genéticas significativas entre cepas de indivíduos saudáveis e aqueles com acne que expliquem sua associação com a doença. Além disso, o filotipo III, embora detectado em casos graves, não é predominante.
> Filotipos de C. acnes e gravidade da acne
Um estudo piloto recente não encontrou diferença na distribuição de filotipos de C. acnes entre pacientes com acne leve e severa. Outra avaliação corroborou esses achados, mostrando que o filotipo IA1 é predominante em todas as categorias de gravidade da acne. No entanto, o IA2, resistente à clindamicina, foi mais frequentemente associado à acne severa e moderada, sugerindo que pode acentuar a gravidade da doença. Esses resultados indicaram que a severidade da acne não depende apenas de uma cepa específica de C. acnes, mas também de fatores do hospedeiro e ambientais que influenciam a imunidade inata. Apesar das heterogeneidades nos métodos de amostragem entre os estudos, sugeriu-se que alguns filotipos de C. acnes colonizam preferencialmente a pele com acne, enquanto outros são raros ou ausentes nas lesões.
Filotipos e virulência de C. acnes |
Estudos filogenéticos também demonstraram que sequências de DNA adquiridas e elementos imunes bacterianos podem ter papéis na determinação das propriedades de virulência de cepas de C. acnes.
> Fatores CAMP
Os fatores CAMP são toxinas formadoras de poros que degradam tecidos do hospedeiro e podem causar inflamação da pele. Estudos indicam que o CAMP1 pode estar envolvido na virulência de C. acnes ao interagir com TLR2, amplificando a resposta inflamatória. A ligação CAMP1-TLR2 é mais forte nas cepas dos filotipos IB e II, correlacionando-se com maiores níveis da citocina pró-inflamatória CXCL8. CAMP1 foi mais expressa nos tipos IB e II, enquanto CAMP2 é mais presente nos isolados IA. Em análises proteômicas, o primeiro foi abundante em folículos sebáceos tanto de pele normal quanto com acne.
> Porfirinas
Porfirinas, produzidas por C. acnes, absorvem luz ultravioleta e visível e podem contribuir para a inflamação perifolicular na acne. Elas geram oxigênio sob exposição ultravioleta, aumentando a produção de substâncias citotóxicas e estimulando a expressão de mediadores inflamatórios como IL-8 e prostaglandina E2. Cepas do filotipo IA1, associadas à acne, produzem níveis significativamente mais altos de porfirinas. Esse aumento é devido à ausência do gene repressivo deoR da biossíntese de porfirinas nas cepas IA1.
> Hialuronato liase
Recentemente, a hialuronato liase (HYL) foi identificada como um possível fator de virulência em C. acnes, apresentando diferentes alelos gênicos conforme os filotipos. Estudos genotípicos e fenotípicos revelaram duas variantes de HYL: uma altamente ativa (HYL-IB/II), que degrada completamente o ácido hialurônico, e outra de baixa atividade (HYL-IA), que o degrada de forma incompleta. A hialuronato liase, junto com outras enzimas que destroem componentes da matriz extracelular, pode promover a disseminação da inflamação no desenvolvimento da acne.
> Biofilme
Biofilmes são conglomerados de células bacterianas aderidas a superfícies e envoltas em uma matriz extracelular polimérica, formando uma barreira que protege as bactérias em ambientes hostis. As células de C. acnes em biofilmes são mais resistentes a antimicrobianos e têm maior atividade de lipase extracelular, ligada à inflamação. Estudos mostraram que C. acnes pode formar grandes biofilmes nos folículos pilossebáceos, com maior ocorrência em pacientes com acne (37%) comparado a sujeitos de controle (13%). Esses contêm filotipos IA e II, e as células do biofilme apresentam regulação positiva de genes associados ao estresse e fatores de virulência. Entretanto, é difícil associar qualquer filotipo individualmente à etiologia da acne devido à coexistência de vários filotipos nos biofilmes.
Resposta de C. acnes a antibióticos |
Os antibióticos sistêmicos e tópicos são amplamente utilizados no tratamento da acne, mas a resistência, principalmente à eritromicina e clindamicina, de C. acnes a esses medicamentos tem se tornado um problema global. O mecanismo mais comum de resistência envolve mutações pontuais nos genes 23S rRNA e 16S rRNA. Alguns filotipos de C. acnes, como IA1, são mais associados à resistência. Além disso, biofilmes bacterianos podem aumentar a tolerância aos antibióticos.
Estudos mostraram que a resistência a antibióticos pode variar conforme a região e o tratamento utilizado, como visto na Dinamarca, onde o uso exclusivo de tetraciclina levou a altos níveis de resistência. Para enfrentá-la, recomendou-se limitar o uso de antibióticos de longo prazo e considerar tratamentos alternativos, como peróxido de benzoíla e retinóides tópicos.
Conclusão A revisão forneceu resultados das mais recentes investigações bioquímicas e genômicas que levaram à nova classificação taxonômica de P. acnes renomeada como Cutibacterium acnes, e à caracterização dos seus agrupamentos filogenéticos. No geral, esta informação chave emergente ofereceu novas perspectivas no tratamento da acne, com futuras estratégias inovadoras focadas nos biofilmes de C. acnes e/ou nos seus filotipos associados à acne. |