Introdução |
A depressão é um transtorno psiquiátrico comum entre crianças e adolescentes, para os quais os medicamentos antidepressivos, como os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs), são frequentemente recomendados como primeira linha de tratamento. No entanto, é importante ressaltar que alguns desses, especialmente os tricíclicos, podem provocar sintomas maníacos em determinados pacientes.
Um estudo destacou um aumento particular no risco de conversão maníaca em crianças que receberam tratamento com ISRSs. Esse achado, juntamente com relatos de outros efeitos adversos relacionados à medicação, como agressividade e suicídio, suscitou preocupações sobre a segurança dos antidepressivos em crianças e adolescentes.
Estudos sugeriram que o cérebro em desenvolvimento pode ser especialmente vulnerável a reações adversas desses medicamentos.
Identificar indivíduos com um maior risco de desenvolver mania/hipomania pode melhorar os resultados, fornecendo informações sobre quais pacientes devem ser monitorados de perto durante o tratamento. Nesse sentido, Virtanen e colaboradores (2023) realizaram um estudo com o objetivo de investigar o risco incidente de sintomas maníacos em pacientes pediátricos diagnosticados com depressão unipolar, como também identificaram características específicas dos pacientes associadas a esse risco.
Métodos |
Os pesquisadores analisaram registros administrativos nacionais suecos em uma pesquisa de coorte, na qual avaliaram os cuidados hospitalares e ambulatoriais em todo o país, na Suécia, no período de 1º de julho de 2006 a 31 de dezembro de 2019. O acompanhamento foi conduzido por 12 e 52 semanas após o início do tratamento.
Foram incluídos indivíduos com idades entre 4 e 17 anos, diagnosticados com depressão unipolar, sem histórico prévio de mania/hipomania, transtorno bipolar ou psicose. O grupo de tratamento consistiu em pacientes que iniciaram qualquer medicação antidepressiva dentro de 90 dias após o diagnóstico, enquanto o controle incluiu os que não deram início ao tratamento antidepressivo dentro desse período.
Resultados |
A coorte consistiu em 43.677 pacientes, sendo 28.885 (66%) do sexo feminino, distribuídos entre 24.573 no grupo de tratamento e 19.104 no controle. O desfecho ocorreu em 96 indivíduos ao longo de 12 semanas e em 291 durante 52 semanas. A incidência cumulativa de mania foi de 0,26% (IC 95%, 0,19%-0,33%) no grupo de tratamento e 0,20% (IC 95%, 0,13%-0,27%) no controle em 12 semanas, representando uma diferença de risco de 0,06% (IC 95%, -0,04% a 0,16%). Ao completar 52 semanas, a incidência cumulativa foi de 0,79% (IC 95%, 0,68%-0,91%) no grupo de tratamento e 0,52% (IC 95%, 0,40%-0,63%) no controle, com uma diferença de risco de 0,28% (IC 95%, 0,12%-0,44%).
Sendo assim, crianças e adolescentes com depressão unipolar, não foram encontradas evidências de mania/hipomania induzida por antidepressivos 12 semanas após o início do tratamento. Isto corresponde ao período para os antidepressivos exercerem o seu efeito psicotrópico e quando se espera que surja a mania induzida pelo tratamento. Hospitalizações, transtorno bipolar parental e uso de antipsicóticos e antiepilépticos foram os preditores mais importantes de mania/hipomania.
Discussão |
O estudo examinou o risco de ocorrência de mania/hipomania em uma coorte de pacientes pediátricos com depressão unipolar na Suécia, não encontrando evidências que sugiram que antidepressivos induzam esses distúrbios mentais. Em contraste, os resultados contradizem um estudo anterior que indicou um aumento significativo no risco de mania em pacientes pediátricos com depressão unipolar tratados com antidepressivos. As discrepâncias nos resultados foram atribuídas às diferenças no desenho do estudo, uma vez que os pesquisadores empregaram o framework de emulação de ensaio-alvo para minimizar vieses comuns em estudos observacionais de coorte. No entanto, as disparidades mais notáveis foram relacionadas ao período de acompanhamento.
Enquanto o estudo anterior monitorou os pacientes por cerca de 52 semanas e excluiu resultados nos primeiros 2 meses, Virtanen e colaboradores (2023) optaram por um acompanhamento mais breve de 12 semanas, em conformidade com o consenso da Sociedade Internacional de Transtornos Bipolares para definir a mudança maníaca emergente do tratamento, sem excluir resultados precoces.
A pesquisa de coorte constatou que a ocorrência de mania é rara no ambiente de prática clínica. Além disso, ensaios clínicos randomizados não apresentaram evidências claras de que antidepressivos aumentem o risco de mania em comparação com o placebo.
Por fim, foi observada uma associação entre o uso de antiepilépticos e a ocorrência de mania/hipomania. Essa associação pode indicar que os pacientes manifestaram sinais de instabilidade de humor pouco tempo após o diagnóstico. O tratamento com antidepressivos não apresentou correlação com o risco de desenvolver esses distúrbios mentais, sugerindo que outras características são mais relevantes ao avaliar quais pacientes podem ter um aumento no risco de transição da depressão unipolar para a mania.
Conclusão No entanto, uma pequena disparidade de risco foi detectada apenas durante o acompanhamento prolongado de 52 semanas, indicando que esse pode ser atribuído a fatores além da influência da medicação. |