Abordagem no âmbito médico e cirúrgico

Fibromialgia

Recomendações do Royal College of Physicians do Reino Unido para adultos em atendimento primário e secundário

Autor/a: Richard Berwick,A Chris Barker,B Andreas GoebelC

Fuente: The diagnosis of fibromyalgia syndrome

Indice
1. Texto principal
2. Referência bibliográfica
Introdução

A síndrome de fibromialgia (SFM) é uma condição comum caracterizada por uma dor persistente e generalizada associada com fadiga, transtornos do sono, deterioro da função cognitiva e física e angústia psicológica. Na Classificação Internacional de Doenças (CDC em sua sigla em inglês) é classificada como dor primária crônica (ICD11).

A SFM (MG30.01) tem tido muitos nomes como fibrosite e fibromiosite. No entanto, estes termos se tornaram inapropriados, o que implica incorretamente como causa principal da dor à inflamação do músculo. Embora, todavia, se desconheça a sua etiologia, os avanços na investigação têm demonstrado que provavelmente deva-se a alterações no processamento da dor dentro do sistema nervoso.

O seu diagnóstico pode ser um desafio já que não existem investigações laboratoriais para confirmar a sua presença. Os sintomas são inconsistentes e é possível que não se correspondam facilmente com as categorias de diagnósticos médicos estabelecidos. Portanto, existe uma necessidade fundamental de apoiar os médicos interessados no manejo desta condição.

Consulta de diagnóstico da SFM

Ao revisar um paciente, o achado de certas características pode dar lugar à necessidade de avaliar formalmente a SFM.

Dor generalizada: dor em múltiplas regiões do corpo

Pacientes com SFM podem não relatar dor generalizada, mas apenas dor focal. Portanto, é importante perguntar sobre a presença de dor em outro local.

Fadiga intensa

Pode ser física, cognitiva ou emocional (fadiga motivacional).

Hipersensibilidade

Hipersensibilidade ao som, luz ou a temperatura ambiente, o que pode representar alterações no processamento sensitivo do sistema nervoso central. O exame clínico pode indicar hipersensibilidade mecânica anormal.

Sintomas persistentes

A dor presente ou recorrente durante >3 meses é considerada “crônica”.

Tratamentos ineficazes até o momento

Tanto os tratamentos farmacológicos quanto a reabilitação centrada unicamente na mobilização ou a fisioterapia musculoesquelética clássica podem ser ineficazes, podendo aumentar a dor, o que sugere o que predomina é o processamento anormal da dor.

Diagnóstico da síndrome de fibromialgia

O diagnóstico da SFM passou-se a ser de domínio de um médico especialista,. É provável que fazer o seu diagnóstico represente um momento significativo na vida do paciente e, portanto, sugere-se que o clínico estabeleça um cenário apropriado.

A melhor guia baseada em evidências mais recente é a do American College of Rheumatology (ACR) de 2016 cujos critérios diagnósticos são os seguintes:

  • Índice de Dor Generalizada (WPI) ≥7 e pontuação na Escala de Gravidade de Sintomas (SSS) ≥5 OU WPI 4–6 e pontuação SSS ≥9.
  • Dor generalizada, definida como dor em pelo menos 4 das 5 regiões do corpo.
  • Os sintomas estão presentes em nível semelhante há pelo menos 3 meses. Pacientes com sintomas abaixo deste limite podem ser diagnosticados com SFM se sintomas acima do limite tiverem sido documentados recentemente. Em caso de dúvida, consulte um especialista com experiência no diagnóstico de fibromialgia (geralmente um especialista em dor ou um reumatologista).

Não há provas diagnósticas específicas para SFM, mas recomenda-se que investiguem as condições tratáveis.

Manejo clínico

O manejo clínico está além do alcance desta guia e se trata em outra parte, mas sugere-se alguns princípios gerais.

 Manejo clínico e informação essencial

 Recomendação (evidência)

  • Tratamento da dor, incluindo informações, métodos de reabilitação e conexão com grupos de apoio não clínicos, o que pode reduzir o sofrimento. Isso deve ser feito paralelamente à investigação (E1+E2)
  • Medicamentos para dor consagrados ou fisioterapia musculoesquelética normal, que muitas vezes são ineficazes ou mesmo a fisioterapia pode causar danos, por isso o paciente deve ser avisado (E1+E2)
  • A SFM é uma condição crônica que às vezes requer planejamento e revisões na atenção primária ou secundária. O desenvolvimento de uma relação terapêutica é crucial se a experiência do médico e do paciente for utilizada de forma eficaz para o plano de gestão (E1+E2)
 
Cuidados perioperatórios específicos da prática cirúrgica

A síndrome é uma condição comum, muitos pacientes se submeteram a cirurgia por diversos motivos.

A dor nociceptiva (dor devido a movimentos mecânicos ou estímulos inflamatórios) pode ser passível de cirurgia.

A dor neuropática (dor causada por lesão no sistema nervoso) às vezes pode ser passível de cirurgia.

No entanto, a maior parte da dor crónica não é nociceptiva nem neuropática.

Seu mecanismo é denominado nociplásico, portanto a principal causa da dor é o seu processamento anormal. Ao realizar uma cirurgia, existem alguns alertas de fatores importantes que sugerem que a dor pode ser nociplásica.

Havendo suspeita de dor nociplásica ou SFM, a escolha do especialista para quem o paciente será encaminhado após avaliação cirúrgica dependerá da situação local, podendo incluir o retorno ao clínico geral ou a uma clínica de dor. A comunicação com o paciente é vital e pode exigir delicadeza, tanto na cirurgia quanto na clínica médica.

Decisão de operar

Pacientes com síndrome de fibromialgia  geralmente respondem de maneira diferente às intervenções cirúrgicas do que pacientes sem a doença, mas com lesão semelhante, e seu manejo pode se beneficiar da participação de uma equipe multidisciplinar. Deve-se notar que muitas vezes o fracasso cirúrgico no alívio da dor só pode se manifestar vários meses depois, devido ao significativo efeito placebo que a cirurgia geralmente causa, enquanto certos anestésicos podem diminuir temporariamente a dor nociplásica, reduzindo a sensibilização central.

O verdadeiro efeito a longo prazo da cirurgia sobre a dor é impossível de medir fora dos ensaios clínicos. O aumento da dor após a cirurgia também pode refletir um surto de dor independente da SFM em pacientes sem diagnóstico formal da doença. Os cirurgiões devem estar cientes de que os pacientes que apresentam algumas características da SFM (mesmo que estas não suportem um diagnóstico formal da síndrome) podem obter menos alívio da dor com a cirurgia.

Principalmente os pacientes com dor regional (por exemplo, osteoartrite dolorosa do joelho) podem apresentar sintomas semelhantes aos da síndrome da fibromialgia (SFM), como fadiga, hipersensibilidade a estímulos sensoriais, sono insatisfatório, memória deficiente ou sofrimento psicológico, sem atender aos critérios da síndrome. As causas destes sintomas são desconhecidas e não são consideradas psicológicas, embora o sofrimento psicológico esteja frequentemente presente.

Acredita-se que o grau de sintomatologia esteja relacionado ao grau de sensibilização do sistema nervoso.

A investigação indicou que mesmo abaixo do limiar para o diagnóstico, os resultados cirúrgicos podem ser afetados, uma vez que os pacientes com pontuações elevadas correm provavelmente o risco de ter pouca melhoria da dor após a cirurgia.

Em contraste, a resposta à cirurgia em pacientes com altos índices de sensibilização é diversa e muitos pacientes apresentam bons resultados. Seis meses após a cirurgia de artroplastia de joelho ou quadril, dois terços dos pacientes com altos escores de sensibilização pré-operatória, mas não com síndrome de fibromialgia (SFM), relataram melhora na dor regional. mas também sintomas generalizados, como fadiga e insônia. No entanto, o terço restante não registou qualquer melhoria ou, pior ainda, houve um aumento da dor após a operação. Infelizmente, ainda não existe uma ferramenta confiável para prever quem responderá à cirurgia.

Implicâncias para a implementação

Nas consultas, o médico deve levar em consideração as características de alerta da SFM e utilizar os critérios do ACR 2016 para diagnóstico. A SFM pode coexistir com outras condições médicas e o diagnóstico pode ser feito com uma história e exame detalhados, juntamente com exames de sangue padrão para excluir outras condições tratáveis.

Para o cirurgião, ao considerar a aptidão de um paciente para cirurgia, ele deve estar atento às características de alerta da SFM e da dor nociplásica. Se um paciente com a síndrome se apresenta e tem indicação cirúrgica para tratar a dor, deve-se considerar se a mesma é tratável com o procedimento e comunicar isso de forma eficaz. Caso haja indicação cirúrgica, a participação da equipe multidisciplinar pode ser útil para alcançar ótimos resultados.