Atualização profundada

Doença renal cística neonatal

Etiologias genéticas, diagnóstico e manejo da doença renal cística neonatal

Autor/a: Leah S. Heidenreich, Ellen M. Bendel-Stenzel, Peter C. Harris, Christian Hanna

Fuente: Neoreviews (2022) 23 (3): e175e188.

Indice
1. Página principal
2. Referência bibliográfica
Introdução

A doença renal cística neonatal contribui para a morbilidade e mortalidade dos neonatos. Esta condição se encontra entre as anomalias renais mais comuns e sua incidência oscila entre 0,44 e 4,1 casos por 10.000 nascimentos. Tal enfermidade pode ocorrer de forma isolada ou como parte de uma síndrome com manifestações extrarrenais.

A formação dos rins e do sistema urinário inicia-se na terceira semana de gestação, e na nona observa-se uma função renal rudimentar com produção de urina. Os rins fetais podem ser identificados na ecografia a partir das 12 semanas de gravidez como estruturas ovais hiperecóicas. Ao longo da gestação, a ecogenicidade diminui e a diferenciação corticomedular torna-se mais pronunciada. Os rins crescem em proporção ao feto a menos que haja uma anomalia renal fetal.

As más formações renais são variáveis na aparência e gravidade. Pode haver anomalias relacionadas ao tamanho, estrutura, ecogenicidade e localização. A ecografia fetal é uma ferramenta eficaz nesta caracterização.

Quando uma anomalia é identificada, pode se considerar a ressonância magnética fetal para uma aferição mais detalhada, particularmente se houver um padrão de ultrassom incomum (por exemplo, hiperecogenicidade renal), se houver um cisto grande, se a qualidade da imagem estiver comprometida pela falta de líquido amniótico ou se as características não forem consistentes com um cisto renal simples e sem complicações.

Embora útil para caracterizar a extensão do envolvimento renal e o padrão de desenvolvimento do cisto ao longo do tempo, a imagem por si só não pode determinar a eventual função renal pós-natal, um diagnóstico exato ou uma base genética para o processo da doença. Por esse motivo, o teste genético pré-natal é recomendado para muitos fetos com cistos renais.

Testes genéticos

Existe uma superposição fenotípica significativa entre as doenças renais císticas fetais, que requerem provas genéticas para obter um diagnóstico exato. Portanto, recomenda-se a amostragem de vilosidades coriônicas ou amniocentese para fetos com cistos renais e manifestações extrarrenais, nefropatia cística bilateral e com rins aumentados ou hiperecogenicidade bilateral.

O teste simultâneo de múltiplos genes agora é possível e econômico. A análise genética com um painel de genes de ciliopatia ou doença renal policística (PRD) usando sequenciamento de próxima geração ou exoma completo é a abordagem preferida. É ideal testar ambos os pais e o feto para estabelecer um padrão de herança. Testes adicionais ainda podem ser necessários para detectar variantes de pequeno número de cópias ou defeitos em regiões genômicas complexas não totalmente cobertas pela maioria dos painéis de genes.

Há uma ampla heterogeneidade genética subjacente da doença renal cística no neonato. Uma doença monogênica pode ser identificada em 50% a 70% dos fetos com múltiplos cistos renais e/ou aumento da ecogenicidade cortical. Muitas variantes patogênicas podem ser atribuídas a genes que codificam proteínas ciliares. Os cílios primários são organelas envolvidas na transdução de sinal e diferenciação tecidual durante o desenvolvimento renal.

O estabelecimento de um diagnóstico genético no feto ou no período pós-natal imediato pode influenciar as recomendações para testes adicionais ou aconselhamento sobre gestações futuras. Pode fornecer informações prognósticas à família e ajudar a delinear o provável curso neonatal.

Cílios primários: estrutura e função

São organelas que sobressaem da superfície de quase todos os tipos de células dos mamíferos. São compostos de microtúbulos e se formam em células no estado não proliferante. Sua estrutura é compacta, parecida com uma antena, e os receptores altamente concentrados e as moléculas de sinalização permitem a transdução rápida de informação extracelular a sinais intracelulares que desencadeiam respostas fisiológicas.

Esses papéis fisiológicos são diversos, determinados pela localização dos cílios e pelos ambientes celulares e extracelulares circundantes. Os cílios contribuem para a assimetria esquerda-direita, proliferação celular, diferenciação de tecidos, transdução de sinal e desenvolvimento e função de órgãos.

Quase 1.000 proteínas relacionadas aos cílios foram descobertas e seus genes sequenciados. Variantes patogênicas desses genes podem resultar em doenças humanas, denominadas ciliopatias. Como os cílios são encontrados em muitos tecidos, vários órgãos podem ser afetados por uma única variante genética. Os rins estão comumente envolvidos em ciliopatias devido à presença de cílios no tecido renal e ao papel que esses desempenham na diferenciação do tecido renal e na transdução de sinal.

Ciliopatias renais

Os cílios primários são encontrados na superfície apical das células epiteliais que revestem os túbulos renais. Eles se projetam nos túbulos para detectar o meio extracelular, permitindo a transdução de sinal e diferenciação tecidual adequada durante o desenvolvimento renal. Variantes genéticas que resultam em alterações estruturais e/ou funcionais dos cílios contribuem para o desenvolvimento de ciliopatias caracterizados por cisto formação renal, arquitetura renal anormal e, às vezes, progressão para insuficiência renal.

1 | Ciliopatias renais que se apresentam no período neonatal

Doença renal policística

A doença renal policística (DRP) foi caracteriza pela presença de inúmeros cistos bilaterais cheios de líquido no parênquima renal.

Novos cistos se desenvolvem e os existentes aumentam ao longo da vida. Eles deslocam o parênquima renal normal e comprimem a vasculatura renal. , resultando em lesão renal e alterações inflamatórias sistêmicas. A DRP tem 2 padrões de herança bem descritos: DRP autossômico recessivo (DRPAR) e DRP autossômico dominante (DRPAD).

O primeiro é uma condição renal cística hereditária rara que tende a se apresentar no período neonatal ou na primeira infância. A maioria dos casos foram relacionados com o gene PKHD1 no cromossomo 6, que codifica a proteína fibrocistina/poliductina (FPC). A FPC é uma proteína transmembrana que se localiza na superfície dos cílios e contribui para a diferenciação adequada dos rins, fígado e tecido pancreático fetal.

A disfunção deste proteína se relaciona com a diferenciação tissular inadequada, desregulação da proliferação celular e apoptose, e polarização celular incorreta, resultando no desenvolvimento da doença renal cística e em manifestações extrarrenais, incluindo fibrose hepática, ectasia e hipoplasia pulmonar secundária. 

A DRPAR é causada pelas variantes bialélicas no PKHD1, e a sua natureza está relacionada com a gravidade da doença. As variantes patógenas geralmente resultam em morte perinatal ou neonatal, enquanto pelo menos 1 variante patogênica não truncada, geralmente uma variante missense, é frequentemente associada a um fenótipo viável mais brando.

Pode surgir a suspeita da DRP autossômico recessiva neonatal quando a ecografia pré-natal no segundo ou terceiro trimestre revela rins com pequenos cistos bilaterais aumentados e hiperecogênicos (geralmente de 5 a 7 mm), diferenciação corticomedular reduzida e/ou oligoidrâmnio. As características de suporte incluem a ausência de cistos renais na ultrassonografia em ambos os pais, embora doença renal cística leve dos pais e/ou fenótipos hepáticos tenham sido associados a variantes monoalélicas de PKHD1, sinais de fibrose hepática congênita no feto probando, DRPAR em um irmão mais velho e/ ou consanguinidade parental. O teste genético molecular é o padrão-ouro para o diagnóstico devido à sobreposição no fenótipo entre nefropatias císticas precoces e graves.

Para o recém-nascido com DRPAR, o manejo foi concentrado na vigilância e nos cuidados de suporte para minimizar a morbidade e a mortalidade. Bebês com esta condição correm o risco de complicações decorrentes da doença renal crônica, incluindo, entre outros, anemia, osteodistrofia e déficits cognitivos. A hipertensão geralmente se manifesta no primeiro ano de vida e pode ser difícil de controlar, exigindo vários agentes anti-hipertensivos. Além de apresentarem o maior risco de hiponatremia secundária à diluição urinária prejudicada, bem como infecções do trato urinário.

Alguns pacientes apresentarão ao nascimento ou evoluirão para insuficiência renal, exigindo diálise como uma ponte para o transplante renal. Os fatores de risco incluem oligodrâmnio ou anidrâmnio na ultrassonografia pré-natal, aumento renal pré-natal, baixo índice de Apgar em 10 minutos e necessidade de suporte respiratória pós-natal, que serve como um substituto para a hipoplasia pulmonar secundária à redução do líquido amniótico.

A DRP autossômico dominante é a causa mais comum de falha renal e geralmente se apresenta na idade adulta. Na maioria dos casos, a doença é causada por variantes monolíticas de perca de função nos genes PKD1 (78% dos casos) ou PKD2 (15% dos casos). Estes se encontram no cromossomo 16 e no 4, respectivamente, e contribuem para a expressão das proteínas ciliares renais policistina 1 (PC1) e policistina 2 (PC2), que implicam no transporte de cálcio, em interações proteína-proteína e na modulação da atividade dos canais dependentes de cálcio.

A perca ou diminuição destas proteínas parece resultar em uma sinalização intracelular inadequada, desregulação da secreção do líquido transepitelial, desregulação da proliferação das células tubulares, alteração da polaridade celular e alteração da diferenciação celular, todos os quais contribuem para a formação implacável de cistos no parênquima renal.

Na maioria das vezes, a DRPAD monoalélica é uma disfunção renal de início adulto, e a ultrassonografia pré-natal demonstrou apenas rins ligeiramente aumentados na ausência de cistos renais. A ultrassonografia renal ainda é considerada a modalidade ideal para o diagnóstico de DRPAD em adultos porque é custo-efetiva e não invasiva, embora o teste genético permita informações diagnósticas e prognósticas mais definitivas. Um painel de gene de sequenciamento DRP de próxima geração ou sequenciamento de exoma completo é recomendado em casos neonatais e infantis.

O prognóstico é variável, baseado na heterogeneidade alélica, na complexidade genética e na presença de genes modificadores da doença renal cística. Variantes patogênicas homozigóticas de PKD1 levando à falta de expressão de PKD1 ou função de PC1 são provavelmente fatais no útero, com base em estudos com animais e na falta de relatos de casos vivos.

As variantes bialélicas que levam a uma função de PC1 bastante reduzida resultam em fenótipos graves e de início precoce e são provavelmente as principais causas de apresentações neonatais e infantis de DRPAD. Nesses casos graves, a ultrassonografia renal pode mostrar rins aumentados e parênquima hiperecogênico, diminuição da diferenciação corticomedular e, principalmente no período pós-natal, múltiplos cistos.

No útero, isso pode ser complicado por oligoidrâmnio. No período pós-parto, os lactentes podem apresentar hipertensão, hematúria, nefrolitíase e/ou diminuição da função renal. Bebês com doença bialélica podem progredir para insuficiência renal e necessitar de diálise como terapia ponte para transplante renal.

Atualmente, o tratamento em crianças limita-se a fornecer medidas de suporte e prevenir a progressão da doença. Recomenda-se o monitoramento ultrassonográfico de rotina da carga de cistos e comprimento renal. A pressão arterial deve ser medida anualmente, e o tratamento agressivo da hipertensão é recomendado para evitar danos aos órgãos-alvo.

As crianças devem ser monitoradas quanto à proteinúria porque é um biomarcador de progressão da doença e leva a danos renais e fibrose. Inibidores do sistema renina-angiotensina, como inibidores da enzima conversora de angiotensina ou bloqueadores de receptores de angiotensina, devem ser usados ​​como tratamento primário para proteinúria.

Síndrome de Bardet-Biedl

A síndrome de Bardet-Biedl (SBB) é um transtorno raro autossômico recessivo que se caracteriza por mal formações renais e anomalias extrarrenais. Mais de 20 genes foram relacionados com a SBB, alguns dos quais estão implicados em outras ciliopatias, incluindo MKS1 e CEP290.  As variantes patogênicas mais comuns ocorrem nos genes BBS1 a BBS10, e as essas estão vinculadas com fenótipos de doenças mais graves.

A ultrassonografia pré-natal pode revelar achados normais em casos de BBS com fenótipos leves ou cistos renais uni ou bilaterais, malformação do trato urinário, falta de diferenciação corticomedular, presença de rins ectópicos, duplos ou em ferradura ou ausência de rins.

No entanto, como em outras doenças renais císticas, é mais provável que a ultrassonografia pré-natal mostre rins aumentados e hiperecogênicos sem diferenciação corticomedular adequada, exigindo análise genética para confirmar o diagnóstico. Manifestações extrarrenais da BBS incluem degeneração retiniana, polidactilia e outras anormalidades dos membros, obesidade, hipogonadismo e distúrbios intelectuais.

Síndrome de Meckel

A síndrome de Meckel é uma combinação rara e letal de encefalocele occipital, grandes rins policísticos, fibrose hepática e, ocasionalmente, polidactilia pós-axial.

É um distúrbio autossômico recessivo mais frequentemente ligado a variantes nos loci dos genes MKS1, TMEM216 e TMEM67, embora mais de 10 loci diferentes tenham sido identificados. Esses genes codificam principalmente proteínas da zona de transição encontradas em uma região na base do cílio que regula sua composição proteica.

A ultrassonografia pré-natal mostrará rins muito grandes e oligoidrâmnio. O teste genético com biópsia de vilosidades coriônicas ou amniocentese pode fornecer um diagnóstico no período pré-natal e é recomendado com base no fenótipo grave da doença. Isso permite aconselhar sobre a continuação da gravidez atual e o risco de recorrência em gestações futuras.

Nefronoftise

A nefronoftise (NPHP) é um grupo de doenças predominantemente autossômicas recessivas caracterizadas por alterações císticas, fibrose parenquimatosa progressiva e inflamação intersticial nos rins. Mais de 20 genes patogênicos relacionados ao NPHP foram identificados, mas estes representam apenas um terço dos casos diagnosticados.

A maioria dos genes identificados codifica proteínas que estão localizadas nos cílios, no corpo basal (local de ancoragem e ancoragem na base dos cílios) ou nos centrossomos (centros organizadores de microtúbulos) em células epiteliais renais, com as variantes mais comuns ocorrendo em o gene NPHP1 no cromossomo 2, o gene INVS no cromossomo 9 ou o gene NPHP3 no cromossomo 3. As proteínas afetadas no NPHP estão envolvidas na adesão celular, sinalização celular e comunicação com outras proteínas, incluindo proteínas policistina que são disfuncionais no DRPAD .

A NPHP pode ser encontrada isoladamente ou como parte de uma síndrome genética, às vezes referida como ciliopatias relacionadas à NPHP. A NPHP infantil pode se apresentar no útero com oligoidrâmnio ou após o nascimento com redução da função renal no primeiro ano de vida. vida, geralmente progredindo para doença renal terminal aos 3 anos de idade.

Achados associados incluem anormalidades esqueléticas, polidipsia e poliúria como resultado da dificuldade de concentrar a urina, situs inversus e defeitos cardíacos. Bebês desenvolvem hipertensão grave, anemia desproporcional à disfunção renal, fibrose hepática e infecções brônquicas recorrentes.

2 | Ciliopatias adicionais relacionadas com NPHP

> Síndrome de Joubert

É um transtorno geneticamente heterogêneo, com aproximadamente 40 genes diferentes implicados em sua patogenia, que se caracteriza por hipoplasia do vérmis cerebelar, hipotonia, atraso no desenvolvimento, padrões respiratórios anormais e deficiência visual.

Algumas crianças com síndrome de Joubert apresentam doença renal cística e tem sido reportado casos de morte secundária a displasia renal. Nestes casos, a variante genética pode se atribuir a genes patógenos relacionados com NPHP, incluindo NPHP1 e MKS. Além disso, uma mutação na variante do gene AHI1 é responsável por aproximadamente 10% das lactantes com esta condição. 

> Síndrome de Senio-Loken

Quando é encontrado NPHP junto com anomalias na retina (que podem resultar em fotofobia, nistagmo ou hipermetropia extrema), deve-se considerar a síndrome Senio-Loken. Este transtorno compartilha de fundamentos genéticos com NPHP isoladas, incluindo variantes patógenas bialélicas dos genes NPHP1, INVS ou NPHP3-6.

> Displasia torácica das costelas curtas

a) A síndrome de jeune é um transtorno autossômico recessivo caracterizado por um tórax pequeno, em forma de campainha, que pode levar a asfixia toráxica, ossos largos acurtados e polidactilia. A displasia renal resulta na insuficiência renal. É um transtorno heterozigoto, com aproximadamente 20 genes diferentes implicados, com algumas variantes identificadas ligadas a proteínas de transporte intraflagelar de tipo A. 

b) A displasia craneoectodérmica (também conhecida como síndrome de sensenbrenner) é um transtorno raro caracterizado por cistos renais e fibrose parenquimatosa, anomalias craniofaciais, e ossos largos, dedos da mão e pés curtos. Compartilha fundamentos genéticos coma síndrome de Jeune, incluindo as variantes patógenas autossômicas recessivas no WDR35 e WDR19. 

> Displasia renal, hepática e pancreática (síndrome de ivemark II)

Este é um transtorno genético raro vinculado a variantes patogênicas autossômicas recessivas em NPHP3, NEK8 e DNAJB11. Se caracteriza por cistos renais bilaterais, dilatação dos condutores biliares e cistos pancreáticos.

Outras causas genéticas da doença renal cística neonatal

A enfermidade renal cística pode surgir de variantes patogênicas em genes que codificam proteínas que não se localizam nos cílios.

Nefropatia associada ao fator 1 b nuclear de hepatócitos (HNF1B)

Este é o resultado de uma variante patógena mono alélica no HNF1B, um gene localizado no cromossomo 17 que codifica um fator de transcrição que regula a expressão de muitos genes relacionados com DRP e é essencial para o desenvolvimento de néfron. As variantes patogénicas neste gene podem levar a DRP que pode imitar o fenótipo ecográfico da DRPAD, DRPAR ou outras nefropatias císticas, incluindo hiperecogenicidade renal e cistos renais. Por tanto, requerem provas genéticas para o diagnóstico.

Variantes, duplicações ou deleções são herdadas de forma autossômica dominante, embora alterações de novo, incluindo deleções de genes inteiros, sejam comuns. Além da doença renal cística, as variantes do HNF1B podem causar diabetes mellitus de início precoce, anormalidades eletrolíticas (particularmente hipomagnesemia, secundária à disfunção tubular), disfunção hepática, anormalidades geniturinárias, hiperparatireoidismo primário e hiperuricemia resultando em gota. Se os genes vizinhos no cromossomo 17 também forem afetados, o paciente pode ter manifestações extrarrenais da síndrome de deleção 17q12, incluindo atraso no desenvolvimento, transtorno do espectro autista, epilepsia e/ou malformações oroesofágicas.

Displasia renal congénita com cistos

Esta condição se caracteriza pela presença de ao menos um cisto em um rim fetal anormal. O cisto pode estar composto de líquido simples ou tecido embriológico indiferenciado. Embora a maioria das doenças renais císticas resultem em uma estrutura renal ampliada, a displasia cística é a única que resulta em um tamanho de rim pequeno na maioria dos casos. 

Pode ocorrer de forma isolada ou em contexto com outros transtornos urológicos ou anomalias genéticas, incluindo a síndrome branquio-oto-renal (relacionada a variantes patogênicas em EYA1, SIX1 e SIX5) e síndrome renal-coloboma (resultado de variantes genéticas em PAX2), entre outras.

Rim displásico multicístico

Rim multicístico displásico (RDMC) é a forma grave de displasia renal na qual pequenos e grandes cistos são encontrados em tecido renal imaturo, indiferenciado e primitivo. A doença pode ser o resultado de variantes patogênicas em múltiplos genes expressos durante o desenvolvimento renal, incluindo mas não limitado a HNF1B e PAX2. Achados na ultrassonografia pré-natal incluem rins hiperecóicos e desenvolvimento precoce de cistos renais, observados já na 20ª semana de gestação.

Se houver envolvimento bilateral, a função renal é severamente afetada e a maioria dos fetos morre no útero. Em contraste, em casos unilaterais, o rim contralateral sofre hipertrofia compensatória, e a função renal geralmente é normal. Dada a sua característica precoce início, a RDMC pode ser diagnosticada na ultrassonografia pré-natal durante a gravidez, e exames ultrassonográficos seriados podem ajudar a monitorar a função renal.

O manejo pós-natal é conservador e inclui ultrassonografia renal periódica, medições da pressão arterial e urinálise para detectar proteinúria como um sinal precoce de doença renal crônica. A nefrectomia profilática geralmente não é necessária para remover a displasia multicística renal.

Síndrome de Zellweger

A síndrome de Zellweger representa um grupo diverso de distúrbios autossômicos recessivos que resultam de variantes patogênicas em 14 diferentes genes PEX relacionados à biogênese peroxissômica.

As características incluem fácies atípica, displasia cortical secundária à migração neuronal aberrante, hipotonia grave, convulsões, anormalidades esqueléticas e cistos renais subcorticais.

Embora os cistos renais sejam identificados em quase todos os pacientes com síndrome de Zellweger na autópsia, os cistos são pequenos e podem estar ausentes ou simplesmente não detectados na ultrassonografia pré-natal.

A síndrome de Zellweger está associada a anormalidades metabólicas graves e o diagnóstico pré-natal anterior baseou-se na análise dos níveis de ácidos graxos de cadeia muito longa no líquido amniótico ou na coloração citoquímica do peroxissoma de uma amostra de vilosidades coriônicas. Os avanços nos testes genéticos pré-natais permitiram uma análise mais direta e diagnóstico preciso desta condição no útero.

Dado o seu fenótipo grave e a probabilidade de rápida neurodegeneração e morte no primeiro ano de vida, este diagnóstico precoce pode ajudar as famílias nas decisões sobre a continuação da gravidez e cuidados após o nascimento.

> Complexo da Esclerose Tuberosa (CET)

Está é uma condição autossômica dominante que resulta de uma variante patógena no gene TSC1 (no cromossomo 9) ou no gene TSC2 (no cromossomo 16). Estas variantes conduzem a disfunção proteica e proliferação descontrolada dos tecidos do cérebro, pele, coração, pulmões e rins. As manifestações renais comuns incluem angiomiolipomas, cistos renais e carcinomas de células renais.

Embora alguns estudos sugerirem que os cistos renais podem estar presentes ao nascer ou na infância, a maioria dos pacientes não desenvolvem manifestações renais de CET até a adolescência ou início da idade adulta.

Quando o gene TSC2 se relaciona parcialmente junto com o gene PKD1, se observa uma síndrome de combinação de genes contíguos TSC2/ERP1, caracterizado pela DRP de início infantil, insuficiência renal de início precoce (normalmente no início da idade adulta) e aumento do risco de malignidade renal.

Síndrome de Von Hippel-Lindau

A síndrome de Von Hippel-Lindau é uma condição neoplásica familiar autossômica dominante causada por variantes patogênicas germinativas do gene supressor de tumor VHL, localizado no braço curto do cromossomo 3.

Caracteriza-se pela presença de tumores benignos e malignos no sistema nervoso central, rins, glândulas adrenais, pâncreas e órgãos reprodutores. Na síndrome de von Hippel-Lindau, os cistos renais geralmente são assintomáticos e não causam insuficiência renal; portanto, raramente são descobertos na fase neonatal.

Implicações práticas para o neonatologista

Muitas doenças renais císticas no recém-nascido parecem semelhantes na ultrassonografia pré-natal, apresentando um desafio diagnóstico para obstetras e neonatologistas. O teste genético pode ajudar a descobrir o diagnóstico subjacente e auxiliar no aconselhamento pré-natal e no manejo pós-natal.

Uma vez identificada a doença renal cística fetal, a consulta pré-natal deve ser oferecida com uma equipe multidisciplinar que inclui neonatologista, médico de medicina materno-fetal, nefrologista pediátrico e geneticista.

As opções de testes genéticos pré-natais e pós-natais devem ser discutidas com base nos achados renais fetais e na suspeita de um padrão de herança.

Se os pais recusarem o teste pré-natal, uma amostra de sangue do cordão umbilical pode ser obtida no parto para facilitar o teste pós-natal precoce e acelerar a odisseia diagnóstica. O diagnóstico precoce de outras doenças genéticas demonstrou melhorar os resultados clínicos, auxiliar nas decisões de cuidados paliativos e reduzir os custos dos cuidados.

Um diagnóstico definitivo pode ajudar a evitar procedimentos desnecessários (por exemplo, biópsia renal) e a identificar manifestações extrarrenais e/ou futuras complicações de um processo sindrômico, permite aconselhamento genético informado sobre o risco de recorrência em futuras gestações e possível pré-diagnóstico. , e no período pré-natal, podem influenciar as decisões das famílias sobre a continuação da gravidez. No futuro, o diagnóstico precoce pode até orientar terapias genéticas individualizadas e direcionadas.

Terapias atuais e em evolução para doença renal cística neonatal e suas complicações

Apesar dos avanços no sequenciamento genômico e no diagnóstico clínico, existem poucos tratamentos curativos ou modificadores para a doença renal cística. Os bebês afetados correm o risco de doença renal progressiva e consequente necessidade de diálise e transplante renal. Além disso, como a urina fetal é o principal contribuinte para o volume de líquido amniótico, em lactentes com insuficiência renal fetal, os efeitos colaterais de hipoplasia pulmonar e hipertensão pulmonar podem levar a morbidade significativa e até mortalidade.

Os cuidados neonatais avançaram significativamente nos últimos 30 anos, e a terapia agressiva para hipoplasia pulmonar com modos de ventilação de alta frequência e óxido nítrico inalatório levou a uma melhor sobrevida. As terapias de substituição renal também melhoraram e, embora a diálise peritoneal continue sendo o esteio para insuficiência renal pediátrica e neonatal, as opções de hemodiálise até mesmo para os menores pacientes estão evoluindo.

Em abril de 2020, a Food and Drug Administration dos EUA concedeu autorização de comercialização para uma nova máquina para fornecer hemodiálise ou hemofiltração a bebês gravemente doentes com peso entre 2,5 e 10 kg.

Conhecido como sistema CARPEDIEM, esse dispositivo permite que um circuito de sangue extracorpóreo seja dialisado com volumes substancialmente menores do que os utilizados nos circuitos tradicionais. Lidando com os desafios únicos da população neonatal, incluindo a necessidade de usar pequenos cateteres de diálise e baixos volumes de sangue com índices extremamente precisos, o CARPEDIEM tem o potencial de melhorar os resultados.

Comentários

A doença renal cística está entre as anormalidades renais mais comuns e pode ocorrer isoladamente ou como parte de uma síndrome com manifestações extrarrenais.

Embora a imagem pré-natal seja útil para caracterizar a extensão do envolvimento renal e o padrão de desenvolvimento do cisto, ela sozinha não pode determinar a eventual função renal pós-natal ou o diagnóstico exato. Por esse motivo, o teste genético pré-natal é recomendado para muitos fetos com cistos renais.

Apesar dos avanços no sequenciamento genômico e no diagnóstico clínico, existem poucos tratamentos curativos ou modificadores para a doença renal cística; portanto, os bebês afetados correm o risco de doença renal progressiva e a consequente necessidade de diálise e transplante renal.

A abordagem multidisciplinar é fundamental para o manejo adequado dessas pacientes e para auxiliar as famílias na tomada de decisão sobre novas gestações.