Introdução |
Lesões do ovário e das tubas uterinas são encontrados em até 35% das pacientes na pré-menopausa e 17% na pós-menopausa. O manejo de uma massa anexial tem três objetivos: definir se a lesão requer intervenção cirúrgica de urgência, determinar risco de malignidade, com rastreio adequado e abordagem que incorpore os desejos da paciente em relação a fertilidade e preservação da função hormonal.
Fisiologia |
O ovário é um órgão complexo e dinâmico, responsável pela esteroidogênese e ovogênese, suporte e liberação de oócitos. Essas atividades fisiológicas são suportadas por três tipos de tecido ovariano: epitélio superficial, cordões sexuais e estroma e células germinativas primordiais. Os tumores epiteliais do ovário são responsáveis pela a maioria dos tumores ovarianos. Os estromais são menos comuns, e os de células germinativas, são benignos na maioria dos casos.
Historicamente, as tubas uterinas foram descritas como um órgão inerte responsável por 0,3 a 1,5 casos de lesões malignas por 100.000 mulheres. No entanto, a fímbria tem sido cada vez mais implicada como a origem de muitos adenocarcinomas serosos. Na década de 1980, relatos de casos descreveram o achado paradoxal de “câncer de ovário seroso de alto grau” em mulheres com síndrome hereditária de câncer de mama e ovário que haviam sido submetidos à remoção de ovários (normais no exame histológico). Os ovários de mulheres com mutações BRCA1 ou BRCA2 mostraram que a fímbria da tuba uterina abrigava carcinoma seroso inicial em 2 a 10% das amostras. Esta lesão foi frequentemente confinada ao endotélio endo salpinge, que suporta uma origem tubária.
Estes carcinomas intraepiteliais tubários serosos, que representam 38 a 62% de todos os adenocarcinomas serosos de alto grau, podem ser omitidos na rotina do exame patológico. Consequentemente, o National Comprehensive Cancer Network and the American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) recomendou a ressecção completa das tubas uterinas, bem como o exame patológico de acordo com o protocolo SEE-FIM (sectioning and extensively examining the fimbriated end) em todos os pacientes submetidos à cirurgia. Este protocolo permitiu um exame detalhado e abrangente das fímbrias. Esta recomendação é seguida por aproximadamente 91% dos oncologistas-ginecológicos, mas por apenas 41% dos obstetras-ginecologistas.
Avaliação e diagnóstico |
Embora as lesões anexiais tenham um amplo diagnóstico diferencial, elas são sempre catalogadas em um de três grupos: benignas, malignas ou boderline. A obtenção de tecido é necessária para o diagnóstico, mas a biópsia de uma lesão anexial deve quase sempre ser evitada para evitar implantes secundários. Embora um diagnóstico definitivo dependa da avaliação histológica, a idade da paciente e a apresentação clínica, são fatores que sugerem a probabilidade de a lesão ser maligna. Essa avaliação geralmente consiste em anamnese e exame físico, exames laboratoriais e exames de imagem.
Verificando a necessidade de uma intervenção cirúrgica imediata |
Uma paciente com lesão anexial pode necessitar de cirurgia de emergência (por exemplo gravidez ectópica rota ou obstrução por lesão maligna), podendo ter sintomas crônicos de dor ou edema ou ser assintomática com diagnóstico incidental da lesão anexial.
O passo inicial na avaliação é verificar a necessidade de intervenção cirúrgica imediata. Pacientes com instabilidade hemodinâmica, peritonite, ou evidência de obstrução intestinal ou urinária devem ser avaliadas para intervenção cirúrgica imediata. Além disso, pacientes em idade reprodutiva devem descartar gravidez ectópica, que pode resultar em hemoperitônio fatal. Quando os casos que requerem cirurgia de emergência forem descartados, a avaliação adicional deve se concentrar na avaliação no risco de um processo maligno e na probabilidade de um processo benigno que se beneficiaria de intervenção médica ou cirúrgica.
História e exame físico |
A avaliação de uma lesão anexial deve começar com a idade e história familiar (aproximadamente 20% são por mutação genética). A idade avançada é o maior fator de risco independente para câncer de ovário ou tuba uterina.
O exame pélvico apresenta limitações marcantes como demonstrado num estudo de mulheres submetidas a exame sob anestesia que apresenta sensibilidade para detectar massa anexial baixa (15 a 36%) e piorou acentuadamente com o aumento do índice de massa corporal. Vários estudos também mostraram que o exame pélvico não conseguiu diferenciar de forma confiável entre uma massa benigna e uma massa maligna. Entretanto, o método pode ajudar no planejamento cirúrgico e auxiliar na escolha da abordagem, se deve ser realizada cirurgia aberta ou laparoscópica.
Imagem |
Devido às limitações do exame físico, a ultrassonografia pélvica é a ferramenta de imagem mais importante na avaliação das lesões anexiais e deve ser o exame inicial. Entretanto, este método também apresenta limitações, como variação inter observador, pode ser doloroso e não é confiável para diagnosticar torção ovariana. No entanto, nenhuma outra abordagem de imagem tem desempenho, perfil de segurança e custo-benefício superior na investigação de lesões anexiais.
As características morfológicas da massa na ultrassonografia são usadas para categorizar o risco de um processo maligno. De forma sucinta, quanto mais complexa for uma massa, maior a probabilidade de que seja maligna. Embora vários sistemas de classificação ultrassonográfica tenham sido propostos, não existe um sistema de classificação padrão universalmente aceito para lesões anexiais. Duas ferramentas promissoras são as regras da International Ovarian Tumor Analysis (IOTA), publicada em 2010, e o Ovarian-Adnexal Reporting and Data System (O-RADS), publicado em 2020 pelo American College of Radiologists. As regras da IOTA categorizam as características ultrassonográficas como benigna (B) ou malignas (M); cada categoria possui cinco itens, como podem ser vistas na tabela 1.
Da mesma forma, o sistema O-RADS oferece uma classificação de cinco níveis para avaliar o risco de câncer (tabela 2) e fornecer as recomendações de acompanhamento clínico.
As lesões na categoria 2 do O-RADS são seguidas por observação clínica ou exames de imagens, pacientes com lesões na categoria 3 são encaminhadas a um especialista, e pacientes com lesões nas categorias 4 e 5 requerem o envolvimento de um oncologista ginecológico.
A ressonância magnética (RM) pode ser um coadjuvante útil para massas descritas como indeterminadas, mas é um método caro e não deve ser considerado como primeira linha. Apresenta uma sensibilidade de 81% e especificidade de 98% para categorizar uma lesão como maligna. A tomografia computadorizada (TC) é o exame de escolha para o estadiamento clínico de um câncer de ovário conhecido e avaliação de metástases ou recorrência, mas tem características de desempenho pobres na avaliação de uma massa anexial.
Testes laboratoriais |
Todas as mulheres em idade reprodutiva devem ser rastreadas para gravidez se houver preocupação com a possibilidade de gravidez ectópica, neoplasia trofoblástica gestacional ou gravidez concomitante com massa anexial. Um hemograma completo é útil para orientar o manejo clínico de mulheres com suspeita de abscesso tubo-ovariano ou torção ovariana. No entanto, os estudos laboratoriais mais importantes para a avaliação de uma massa anexial são testes de marcadores tumorais séricos.
Avaliação do nível sérico do marcador tumoral CA-125 é o método mais comumente utilizado para avaliar lesões do ovário. O CA-125 é uma glicoproteína transmembrana secretada tanto pelas células do epitélio celômico e epitélio mulleriano e os níveis são elevados em aproximadamente 80% das mulheres com câncer do ovário ou da tuba uterina. O teste é aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) para monitorar a resposta ao tratamento em mulheres com câncer de ovário, no entanto, é frequentemente usado off label para ajudar a categorizar massas anexiais e é particularmente útil em mulheres na pós-menopausa. Uma meta-análise mostrou que o teste CA-125 tem uma sensibilidade 69% e 87% e especificidade 81% e 93% para diagnóstico câncer na pós-menopausa, e o seu desempenho melhora quando combinado com a ultrassonografia pélvica.
No entanto, este teste apresenta algumas limitações. Até 20% das mulheres com metástase ovariana ou os cânceres de trompa têm um nível normal de CA-125. Além disso, ele também não é confiável em mulheres com doença em estágio inicial, em mulheres na pré-menopausa, e naquelas com subtipos epiteliais de câncer, exceto adenocarcinoma seroso de alto grau. O seu nível também pode estar elevado em muitas condições benignas, como gravidez, endometriose, doença inflamatória intestinal, insuficiência renal, ascite não maligna e em qualquer processo que cause inflamação do peritônio ou diminuição da depuração de CA-125.
Desta forma, embora uma elevação no nível de CA-125 seja clinicamente relevante na investigação de uma massa anexial, o teste sozinho não é diagnóstico de câncer epitelial do ovário.
A proteína 4 do epidídimo humano (HE4) é outro marcador tumoral aprovado para determinar a probabilidade de malignidade em uma massa ovariana. Também é utilizado para avaliar as massas anexiais, com sensibilidade semelhante ao CA-125, mas especificidade superior. Esse teste pode ajudar aos médicos decidirem se uma massa deve ser removida cirurgicamente por um ginecologista ou por um oncologista ginecológico.
Gestão |
> Lesões benignas na imagem
Quando se sabe que a cirurgia de emergência não é justificada, e um processo maligno tenha sido descartado, o tratamento é baseado nos sintomas das pacientes e em suas preferências em relação à cirurgia, preservação de fertilidade e produção de hormônios.
- Cistos Simples com ou sem Septações
A lesão mais inofensiva cisto simples, unilocular, encontrado em mulheres de todas as idades. Esses são invariavelmente benignos. Grandes estudos prospectivos mostraram resolução espontânea em 50 a 70% dos casos; no entanto, em caso de persistência, podem ser removidos cirurgicamente. A presença de septações finas não aumenta o risco de câncer. Pacientes sintomáticas ou com cistos muito grandes podem precisar de cirurgia. Atualmente, não há consenso sobre intervalo entre as imagem e duração do seguimento.
- Lesões Complexas
Cistos hemorrágicos, endometriomas e teratomas maduros são lesões benignas, complexas e com características ultrassonográficas marcantes. A cirurgia deve ser considerada para pacientes sintomáticas. Abordagens minimamente invasivas (laparoscópico ou robótico) estão associadas a uma recuperação mais curta, com menos complicações pós-operatórias, menor custo e maior satisfação da paciente em comparação com a laparotomia.
Para pacientes assintomáticas, a observação é adequada. Anteriormente, a maioria das pacientes com teratoma eram operadas por preocupação sobre um risco aumentado de torção ovariana.
> Lesões malignas ou indeterminadas
Vários estudos mostraram que mulheres com lesões anexiais de alto risco, o encaminhamento ao oncoginecologista está associado a aumento da sobrevida global. Apesar desses achados, apenas cerca de 40 a 50% das pacientes são encaminhadas a esse. As diretrizes do ACOG de 2016 recomendam a consulta com um oncologista ginecológico para mulheres com massa anexial que atendem um dos seguintes critérios: estado pós-menopausa com nível elevado de CA-125, achados ultrassonográficos sugestivos de câncer, ascite, ou uma massa pélvica nodular ou fixa, ou evidência de metástase abdominal; estado pré-menopausa com nível de CA-125 muito elevado, ou status pré-menopausa ou pós-menopausa com uma pontuação elevada em um teste formal de avaliação de risco, como como o ensaio de índice multivariado, índice de risco de malignidade, ou ROMA, ou um dos sistemas de pontuação baseados em ultrassom do grupo IOTA.
Grupos especiais |
> Pacientes pediátricos
Massas anexiais são raras em crianças e adolescentes, com incidência de cerca de 3 casos por 100.000 crianças por ano. As lesões encontradas nestas populações são mais propensas a serem malignas do que aquelas encontradas em adultos e são menos prováveis de serem diagnosticada incidentalmente, pois apresentam dor, distúrbios menstruais ou puberdade precoce.
A maioria dos dados sobre o gerenciamento de lesões anexiais pediátricas vêm de estudos em adultos. Os exames de imagens e os marcadores tumorais continuam sendo as ferramentas mais importantes para determinar o risco de câncer. Estruturas císticas simples são quase sempre benignas, enquanto a probabilidade de que um tumor sólido com mais de 9 cm de diâmetro seja canceroso é de aproximadamente 70%. Para lesões assintomáticas benignas, a observação é apropriada. Para lesões sintomáticas benignas, justifica-se a intervenção cirúrgica, com o objetivo de remover a lesão, com conservação ovariana. As lesões anexiais são frequentemente associadas a torções ovarianas, exigindo cirurgia. Para pacientes com cisto e ovário torcido, o objetivo é preservação ovariana com distorção e cistectomia.
> Pacientes grávidas
A maioria das massas anexiais em pacientes grávidas são diagnosticadas incidentalmente em ultrassonografia obstétrica de rotina, e câncer de ovário ou tuba uterina durante a gravidez é raro, sendo o cisto dermoide o mais diagnosticado.
A investigação diagnóstica é mais complexa e menos confiável em uma gestante do que em uma paciente que não está grávida. O nível de CA-125 é elevado durante a gravidez, assim como os níveis de outros marcadores tumorais como gonadotrofina coriônica humana e lactato desidrogenase. A ultrassonografia continua sendo a base do diagnóstico, mas a avaliação ultrassonográfica dos anexos pode se tornar difícil com o avanço da gestação. Para lesões anexiais suspeitas em gestantes, a RM é o estudo de escolha devido às suas características de desempenho e porque o feto não é exposto à radiação ionizante. A administração de gadolínio é evitada, uma vez que a segurança fetal com o seu uso não foi estabelecida. Embora as tomografias computadorizadas abdominais e pélvicas exponham o feto e a paciente à radiação ionizante, a dose total é baixa (<50 mGy). Não há evidências de que doses abaixo de 50 mGy aumentem o risco de anomalias fetais.
Manejo de lesões anexiais nesta população é semelhante à de pacientes não grávidas. Para pacientes sintomáticas ou lesões que podem ser malignas, a cirurgia é apropriada. Historicamente, a laparoscopia não era considerada em mulheres grávidas. No entanto, estudos mostraram que esta abordagem resultou em taxas mais baixas de infecção do sítio cirúrgico, menor tempo de internação e menor risco de trabalho de parto prematuro do que a laparotomia. Embora possa ser realizada em qualquer momento da gravidez, o segundo trimestre é preferível, uma vez que o risco de aborto espontâneo diminuiu neste período e o tamanho uterino ainda não comprometeu a exposição cirúrgica da pelve.
Conclusão |
As lesões anexiais são comuns e abrangem um diagnóstico diferencial amplo, variando de condições benignas a malignas. O gerenciamento exige exclusão de emergência cirúrgica, em casos de alta suspeição de malignidade, considerar as preferências da paciente em relação à fertilidade e ao tratamento, e encaminhe para o especialista.