A evolução tem dotado os seres vivos de dispositivos naturais para a gestão de riscos. Todos os instintos não são mais que mecanismos inatos para sobreviver e satisfazer as necessidades básicas. A fome, o instinto de fuga ou luta, os instintos de reprodução e cuidado da prole, e mesmo os instintos mais sociais, como pertencer a um grupo, são padrões de comportamento automáticos que nos ajudam a tomar boas decisões sem ter que fazer nenhum cálculo de possíveis benefícios e danos. O problema é que estes mecanismos foram postos a ponto em um ambiente natural muito distinto e oferecem limitações nos entornos complexos atuais. Os riscos que enfrentamos hoje são muito mais sofisticados, e as decisões que devemos tomar, muito mais difíceis. Vamos pensar nos riscos associados à rapidez ou às intervenções de saúde.
A saúde é sem dúvida um dos epicentros mais importantes na gestão de riscos.
São muitas as decisões que afetam a nossa saúde, desde a escolha de uma casa até a realização de uma operação que pode salvar nossas vidas. Umas são pequenas e cotidianas, como o que comemos ou desejamos comer, e outras são mais singulares, como submeter-se a um tratamento de infertilidade; umas tem efeitos imediatos e outras a um longo prazo, como fumar ou não fumar. Mas todos ou quase todos eles têm cara e coroa, seus potenciais benefícios e malefícios, e para tomar boas decisões é necessário conhecê-los. Os profissionais de saúde são geralmente a principal fonte de informação, embora para algumas intervenções complexas também tenham sido desenvolvidos “auxílios à decisão”.
As explicações dos médicos podem ser valiosas, mas no geral é complicado que transmitam de forma clara os efeitos previsíveis de todas as opções, e os pacientes muitas vezes não se lembram bem das mensagens dos médicos. Os auxílios à decisão sobre tratamentos e testes diagnósticos, um formato resumido e adaptado que geralmente combina texto, gráficos e números – e às vezes vídeos e conteúdo da web – para esclarecer os benefícios e malefícios, têm se mostrado ferramentas muito úteis para a tomada de decisões quando nem opção parece claramente melhor. Os pacientes que os utilizam sentem-se mais bem informados e mais conscientes do que é importante para eles. Além disso, provavelmente têm expectativas mais precisas sobre os benefícios e malefícios das diferentes opções e participam mais na tomada de decisões com o profissional de saúde. O problema é que esses materiais são escassos e é difícil prepará-los e mantê-los atualizados.
Mas mesmo nas condições mais favoráveis, o utilizador deve estar ativamente envolvido no conhecimento dos seus riscos, fazendo perguntas apropriadas sobre qualquer tratamento. Quais são os benefícios? Quais são os danos? Que alternativas ou opções existem? O que eu quero ou quais são minhas preferências? E, também importante: o que aconteceria se eu não fizesse nada? Essas questões-chave estão resumidas na sigla BRAIN (Benefícios, Riscos, Alternativas, o que eu quero e se eu não fizer nada?). Mas não é tudo: para avaliar os riscos das intervenções, devemos também considerar em que pessoas foram estudadas (será que se parecem comigo?), com que outras intervenções foram comparadas e se os benefícios e malefícios foram analisados .
Quando o benefício esperado é muito grande (salvar uma vida com uma operação de apendicite, por exemplo) e supera qualquer possível dano, fica fácil tomar uma decisão. Contudo, na maioria dos casos os benefícios não são tão grandes nem o equilíbrio entre danos e benefícios é tão claro. A opção de não fazer nada, a opção largamente ignorada nestes tempos intervencionistas e esquecidos de que a primeira coisa é não fazer mal, é também uma alternativa que deve ser mantida em mente.