Hugo Mercier é um cientista cognitivo de renome mundial no Institut Jean Nicod em Paris e co-autor de The Enigma of Reason e Not Born Yesterday. Vive em Paris, França. Ele conversou com a IntraMed sobre os temas fundamentais de suas pesquisas e seus livros publicados.
| Você acha que, em geral, as pessoas são "crédulas" ou, ao contrário, são racionais? |
A evidência mostra que as pessoas não são crédulas. Pelo contrário, utiliza uma série de pistas para saber que informação aceitar e que informação rejeitar: se o falante tem conhecimento, se tem boas intenções, se o que diz é plausível, etc. Quando as pessoas não têm muita informação – por exemplo, elas só ouvem um anúncio no rádio – elas tendem a rejeitar qualquer coisa que não se encaixe com o que elas já acreditam. Consequentemente, é muito difícil influenciar as pessoas através da comunicação de massa.
| Como é possível que a mesma pessoa tenha crenças racionais e irracionais ao mesmo tempo? |
As pessoas fazem mais ou menos esforço para verificar a exatidão de suas crenças. No caso de crenças que têm consequências práticas, especialmente consequências pessoais importantes, tendemos a ser bastante cuidadosos, verificando duas vezes, buscando mais informações, etc. Por outro lado, quando se trata, por exemplo, de opiniões políticas que não nos afetam diretamente, é tentador ser muito menos cauteloso.
| Você acha que toda a crença "útil" deve ser verdadeira? |
Não, às vezes pode ser útil acreditar em coisas falsas, por exemplo, se não tivermos que agir de acordo com essa crença e se a crença for socialmente recompensada.
Por exemplo, se acreditar em uma certa divindade permite que você mantenha relacionamentos próximos com bons amigos e familiares, e se essa crença não o força a fazer nada, pode ser útil pelo menos fingir que acredita nessa divindade (isso é outra questão, se é certo ou errado fazê-lo).
| O que torna essa afirmação "credível"? |
Torne suas fontes bem-informadas e bem-intencionadas. Se a alegação é plausível e apoiada por argumentos sólidos.
| O que são crenças "intuitivas" e "reflexivas"? |
As crenças intuitivas são a grande maioria das crenças que temos: que meu nome é Hugo, que estou digitando essas palavras em um computador, etc. Essas crenças são caracterizadas por uma forte ligação com outras crenças e com nossos comportamentos. Em contraste, crenças reflexivas são crenças que tendem a ser mais distantes de outras crenças ou comportamentos. Por exemplo, um cristão pode acreditar em um Deus onisciente, mas essa crença é, na maioria das vezes, não relacionada a suas outras crenças e comportamentos (por exemplo, ele pode tentar fazer algo para chamar a atenção de Deus, ou pode esperar que ele não vai prestar atenção a ele quando ele fizer algo moralmente duvidoso). Pode-se dizer que a grande maioria das falsas crenças amplamente compartilhadas (crenças no sobrenatural, em teorias da conspiração, etc.) são crenças reflexivas, que as pessoas mantêm, mas que afetam relativamente pouco seu comportamento.
| Que papel as "falsas crenças" desempenham na sociedade? |
Na maioria das vezes, eles desempenham um papel justificador: permitem que as pessoas justifiquem fazer ou acreditar em coisas que gostariam de fazer ou acreditar de qualquer maneira. Por exemplo, a maioria das falsas crenças em torno da vacinação são provavelmente mantidas por pessoas que não gostam de vacinação de qualquer maneira e que queriam encontrar um motivo para justificar sua recusa.
| Como é definido o conceito de "vigilância epistêmica"? |
Acho que se refere à vigilância epistêmica. A vigilância epistêmica é, como Dan Sperber e seus colegas sugeriram, um conjunto de mecanismos cognitivos que avaliam as informações relatadas de forma que rejeitamos as mensagens mais imprecisas ou prejudiciais e aceitamos muitas informações úteis e precisas.
Hugo Mercier é um cientista cognitivo do Instituto Jean Nicod em Paris e co-autor de The Enigma of Reason. Vive em Paris, França. Twitter dele: @hugoreasoning.
Sobre seu livro Not Born Yesterday:
Not Born Yesterday explica como decidimos em quem podemos confiar e no que devemos acreditar, e argumenta que somos muito bons em tomar essas decisões. Neste livro animado e instigante, Hugo Mercier demonstra como praticamente todas as tentativas de persuasão em massa — seja por líderes religiosos, políticos ou anunciantes — falham miseravelmente. Baseando-se em descobertas recentes da ciência política e de outros campos que vão da história à antropologia, Mercier mostra que a narrativa de credulidade generalizada, na qual um público crédulo é facilmente enganado por demagogos e charlatães, está simplesmente errada.
> Mais informações na Princeton University Press
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