SIBO

Atualização da diretriz sobre supercrescimento bacteriano do intestino delgado

Atualização da American College of Gastroeneterology de 2020

Autor/a: Mark Pimentel, Richard J Saad, Millie D Long, Satish S C Rao

Fuente: ACG Clinical Guideline: Small Intestinal Bacterial Overgrowth

Principais recomendações

  • Sugere-se o uso do teste respiratório (hidrogênio glicose ou hidrogênio lactulose) para o diagnóstico de SIBO em pacientes com SII.
  • Recomenda-se realizar teste do hidrogênio expirado com glicose ou lactulose em pacientes sintomáticos com suspeita de distúrbios de motilidade.
  • É recomendado a realização do teste do hidrogênio expirado com glicose ou lactulose em pacientes sintomáticos (dor abdominal, gases, distensão e/ou diarreia) com cirurgia abdominal prévia.
  •  Não foi sugerido a utilização do teste do hidrogênio expirado com glicose ou lactulose em pacientes assintomáticos em uso de inibidor de bomba de prótons (IBPs).
  •  O teste do metano expirado com glicose ou lactulose foi recomendado em pacientes sintomáticos com constipação intestinal.
  •  O uso de antibióticos em pacientes sintomáticos com SIBO foi recomendado para erradicar o supercrescimento e resolver os problemas.

Introdução

O supercrescimento bacteriano do intestino delgado (SIBO, sua sigla em inglês) é definido pela presença de um número excessivo de bactérias no intestino delgado causando sintomas gastrointestinais (GI). Essas bactérias são geralmente coliformes, tipicamente encontrados no cólon, e incluem, predominantemente, espécies Gram negativas aeróbicas e anaeróbicas capazes de fermentar carboidratos.

Os sinais e/ou sintomas da SIBO podem surgir da má absorção de nutrientes, alteração da permeabilidade intestinal, inflamação e/ ou ativação imunológica decorrente da fermentação bacteriana patológica no intestino delgado.

Tais sintomas podem incluir, mas não podem estar limitados a náusea, sensação de distensão, flatulência, distensão abdominal, cólicas abdominais, dor abdominal, diarreia e/ou constipação. Em casos extremos, pode-se citar esteatorreia, perda de peso, anemia, deficiência de vitamina e /ou inflamação da mucosa do intestino delgado.

Figura 1: Resumo gráfico sobre as atualizações das diretrizes clínicas da ACG. Siglas: DM: Diabetes mellitus; HIV: vírus da imunodeficiência humana; IDCV: Imunodeficiência comum variável; SII: Síndrome do intestino irritável; IBPs: inibidores da bomba de prótons.

Diagnóstico
  • Teste respiratório

Um método diagnóstico alternativo é a medição do gás hidrogênio exalado na respiração, após a ingestão de uma quantidade fixa de um substrato de carboidrato, glicose ou lactulose. De acordo com a declaração do Consenso Norte-Americano sobre testes expirados do hidrogênio, um aumento maior ou igual a 20 partes por milhão (ppm) da linha de base neste elemento em 90 minutos é considerado positivo para diagnosticar SIBO. É um teste barato, não invasivo e amplamente disponível, no entanto requer a aplicação de vários critérios rigorosos aos pacientes. Estes incluem evitar antibióticos por quatro semanas antes do teste; interromper fármacos procinéticos e laxantes uma semana antes do exame; evitar carboidratos complexos 12 horas antes; e evitar o tabagismo e exercícios extenuantes no dia do teste, pois o primeiro pode aumentar e o segundo diminuir os níveis de hidrogênio respiratório.

A premissa do teste é que as células humanas são incapazes de produzir os gases hidrogênio e metano. Consequentemente, se esses podem ser detectados em amostras de respiração, isso significa que são produzidos por outra fonte, como fermentação por micróbios no intestino. Sendo assim, após a ingesta de uma quantidade de carboidratos, o açúcar é rapidamente fermentado pelas bactérias para produzir gás hidrogênio.

Além disso, de acordo com a declaração do Consenso Norte-Americano sobre os testes expirados, um nível maior ou igual a 10 ppm em metano é considerado positivo para supercrescimento metanogênico (IMO). Uma vez que o gás metano é proveniente de micoorganismos do domínio Archaea, e não de Bacteria.

Um fator importante que pode confundir a interpretação dos testes expiratórios de lactulose é o tempo de trânsito oro cecal. Se o agente chegasse ao ceco antes de 90 minutos devido ao trânsito acelerado, isso poderia explicar um teste respiratório de lactulose positivo em vez de implicar SIBO. Também é possível que a má absorção de glicose possa levar a um teste respiratório positivo desse sacarídeo.

  • Aspiração e cultura do intestino delgado

A aspiração e a cultura do intestino delgado costumam ser consideradas o padrão-ouro para o diagnóstico de SIBO. No entanto, ainda faltam técnicas padronizadas para coleta asséptica de amostras, pois os métodos diferem quanto à colocação do dispositivo para aspiração da amostra e a quantidade de fluido coletado, bem como o manuseio da amostra e posterior cultura.

Além disso, o limite de corte para a definição de cultura positiva tem sido controverso. Recentemente, o Consenso Norte-Americano relatou que a literatura aponta com mais precisão para uma contagem de colônias bacterianas de 103 unidades formadoras de colônia por mililitro (CFU/mL) em um aspirado duodenal/jejunal como diagnóstico de SIBO.

No entanto, o teste tem diversas limitações: é demorado, caro e invasivo que requer sedação e traz os riscos usuais da endoscopia, mas é tecnicamente simples e amplamente realizado.

  • Testes mais recentes

Reconhece-se que os testes respiratórios atuais têm baixa sensibilidade e especificidade e que estudos adicionais são necessários para as suas padronizações. Atualmente, uma cápsula ingerida por vir oral está em desenvolvimento com objetivo de medir o hidrogênio e o dióxido de carbono in vivo após uma refeição com carboidratos e pode fornecer uma alternativa melhor às técnicas atuais de medicação de hidrogênio expirado.

Além disso, tecnologias de cápsulas adicionais que podem coletar amostras de bactérias do intestino delgado são emergentes e poderiam fornecer uma avaliação mais direta e precisa da SIBO.

Relação entre SIBO e síndrome do intestino irritável

A alegação mais controversa relacionada à SIBO tem sido sua implicação na patogênese da síndrome do intestino irritável (SII). Embora a taxa de supercrescimento bacteriano na síndrome seja debatida, estudos sugeriram que até 78% dos indivíduos com SII sofrem de SIBO.

Outras evidências de que a SII esteja associada à SIBO são baseadas no uso bem-sucedido de antibióticos no tratamento. Em 2015, a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA aprovou um antibiótico não absorvido, a rifaximina, para o tratamento da SII com diarreia com base no entendimento existente de que uma possível causa subjacente da SII é a perturbação do microbioma. Um subconjunto de participantes também foi submetido ao teste respiratório. Os resultados sugeriram que o benefício do fármaco foi observado em indivíduos com SII com níveis anormais de hidrogênio basal durante o teste respiratório da lactulose. De fato, 76% dos indivíduos com um teste respiratório inicial positivo que se tornou negativo após um curso de antibióticos foram definidos como responsivos. Isso suportou ainda mais que os níveis microbianos alterados podem desempenhar um papel na SII.

Outras condições associadas à SIBO

Vários mecanismos são responsáveis pela manutenção do ambiente do intestino delgado. A deficiência ou falha em um ou mais desses mecanismos pode resultar no acúmulo anormal de bactérias. A figura 1 fornece uma lista das condições associadas à SIBO, que incluem problemas mecânicos do intestino delgado ou distúrbios de motilidade. No entanto, condições como má absorção, imunidade alterada, cirurgias e distúrbios sistêmicos também podem ser importantes.

Os distúrbios de mobilidade podem ser perturbados por neuropatia ou miopatia ou por medicamentos como opioides, antidiarreicos ou anticolinérgicos, que podem reduzir os movimentos propulsivos e facilitar o crescimento bacteriano. Da mesma forma, alterações pós-cirúrgicas, como gastrojejunostomia com alça cega ou lesão do nervo vago, podem favorecer esse supercrescimento.

Estudos em pacientes com fatores de risco anatômicos de causas intrínsecas, como diverticulose do intestino delgado ou formação de fístula ou consequências iatrogênicas, como anastomose ileocolônica ou estenose/aderência pós-radiação, mostraram uma maior prevalência de SIBO. Idade avançada e sexo feminino também estão associados a uma maior probabilidade de supercrescimento bacteriano, talvez por causa de atrasos no trânsito intestinal. Outras doenças sistêmicas conhecidas por alterar a motilidade e que estão associadas à SIBO incluem doença de Parkinson, insuficiência renal crônica, amiloidose, esclerose sistêmica, hipotireoidismo e diabetes mellitus.

  • Função imune e inflamação

Diversas evidências suportam a associação entre SIBO e síndromes de imunodeficiência, como deficiência de imunoglobulina A. Pacientes com doença celíaca também são relacionados à SIBO. Na doença de Crohn, um estudo relatou que 16,8% daqueles em remissão endoscópica tiveram SIBO, e a positividade no teste respiratório foi associada a queixas gastrointestinais contínuas.

Várias outras condições foram associadas à SIBO, incluindo cirrose e peritonite bacteriana espontânea, pancreatite crônica, fibrose cística, fibromialgia, alcoolismo e esclerose múltipla, mas o(s) potencial(is) mecanismo(s) subjacente(s) a essas relações permanece(m) incerto(s).

  • Acidez gástrica e inibidores da bomba de prótons

A acidez gástrica desempenha um papel importante como guardião, evitando o supercrescimento de bactérias no trato gastrointestinal superior. Pacientes com hipocloridria ou acloridria, secundária a gastrite autoimune ou gastrectomia parcial ou total têm risco aumentado de SIBO.

Os inibidores da bomba de prótons (IBPs) são os medicamentos mais comuns usados para tratar pacientes que sofrem de sintomas gastrointestinais inexplicados. Spiegel e colaboradores (2008) relataram que a maioria dos usuários que usavam esses medicamentos eram propensos a desenvolver SIBO. Por exemplo, um estudo retrospectivo que incluiu dados de 1.263 aspirados duodenais observou que o uso de IBP foi significativamente mais prevalente em pacientes com resultados de cultura duodenal positivos em comparação com aqueles com culturas negativas (52,6% vs 30,2%). Da mesma forma, uma metanálise de 19 estudos com mais de 7.000 indivíduos confirmou um risco até 3 vezes maior de SIBO com o uso de IBP.

Tratamento
  • Antibióticos

O uso de antibióticos tem sido a pedra angular da terapia para o tratamento de SIBO. No entanto, devido ao desenvolvimento de bactérias resistentes, reações adversas e aumento de infecções oportunistas, é necessária uma abordagem mais cautelosa.

Em geral, a evidência para o uso de antibióticos em SIBO foi limitada a pequenos ensaios clínicos de baixa a modesta qualidade. Dentre os estudados, inclui-se: amoxicilina-ácido clavulânico, clortetraciclina, ciprofloxacina, doxiciclina, metronidazol, neomicina, norfloxacina, rifaximina, tetraciclina e trimetoprima-sulfametoxazol.

O mais investigado é a rifaximina, por ser um fármaco sistêmico bem tolerado com baixa biodisponibilidade oral e cujos efeitos antimicrobianos podem ser aumentados na presença dos ácidos biliares. Uma revisão sistemática que incluiu doses variadas de 600 mg a 1.600 mg por dia com duração de 5 a 28 dias demonstrou que a taxa de erradicação geral foi em torno de 70,8%. No entanto, os investigadores observaram que a qualidade da maioria dos estudos era ruim.

Como a SIBO frequentemente recorre após um curso de antibioticoterapia, é prática comum recuar com outro curso de antibióticos. Essa prática de é baseada exclusivamente em evidências anedóticas e na opinião de especialistas. Como tal, não há abordagens terapêuticas universalmente aceitas.

  • Dieta

Há uma variedade de mecanismos propostos pelos quais a manipulação dietética pode ser benéfica no tratamento da SIBO, no entanto, o tema dominante é a redução de produtos fermentáveis. Na maioria dos casos, isso envolve uma abordagem de baixo teor de fibras, bem como evitar açúcares alcoólicos e outros adoçantes fermentáveis, como a sucralose. Além disso, prebióticos como a inulina também devem ser evitados.

No entanto, os dados sobre o uso de dieta para SIBO são principalmente extensões dos estudos para SII. Uma metanálise recente de baixo FODMAP e dietas sem glúten na SII observou que não havia boas evidências para apoiar a segunda abordagem e “evidências de qualidade muito baixa” para a primeira.

Apesar destas conclusões, os dados suportam que uma dieta com baixo teor de FODMAP está associada a menos produtos de fermentação.

  • Probióticos

O conceito de usar probióticos para tratar uma condição com excesso de bactérias parece contraintuitivo. No entanto, um estudo sugeriu que este pode ter ações procinéticas. Talvez mudanças nas bactérias também possam ser facilitadas por esse tipo de tratamento, efetuando uma mudança nos sintomas ou no padrão de gases no teste respiratório.

Uma metanálise examinou recentemente os estudos existentes de probióticos em SIBO e descobriu que o suplemento pareceu reduzir a produção de hidrogênio com uma razão de chances de 1,61, mas os estudos eram em sua maioria pequenos e de baixa qualidade.

Direções futuras

Como apontado pela diretriz, embora medidas indiretas para avaliação de SIBO usando teste respiratório sejam a abordagem mais prática, parte do desafio é que essa tecnologia fornece uma imagem incompleta da dinâmica de fermentação no intestino. A razão pela qual o hidrogênio não se correlacionou claramente com os sintomas no ensaio clínico pode ser que o hidrogênio é consumido no intestino para produzir metano e gases H2S. Como tal, medir apenas metano e hidrogênio produz uma imagem incompleta. Por isso, são necessários novos testes para determinar com maior clareza o diagnóstico da SIBO.  Além disso, é importante desenvolver questionários validados para SIBO, pois os sintomas carecem de especificidade.