Revisão aprofundada

Úlceras genitais causadas por agentes de transmissão sexual

Um resumo sobre os diagnósticos e tratamentos

Autor/a: Ramos et al. 2022

Fuente: Anais Brasileiros de Dermatologia (ABD) Úlceras genitais causadas por agentes de transmissão sexual

As úlceras genitais (UG) referem-se a lesões na região genital e perigenital causadas por agentes de transmissão sexual (UG/IST). Além dessas, outras causas de UG incluem infecções diversas, processos inflamatórios não infecciosos e neoplásicos. Os agentes mais comuns são o vírus do herpes simples e o Treponema pallidum, enquanto Haemophilus ducreyi, Klebsiella granulomatis e Chlamydia trachomatis são causas menos frequentes.

As UG/IST requerem tratamento imediato. Suas características morfológicas são cruciais para o diagnóstico, que, baseado apenas em aspectos clínicos, apresenta sensibilidade e especificidade aquém do ideal. Por isso, Ramos e colaboradores (2022) realizaram uma revisão sobre os diagnósticos e tratamentos das úlceras genitais.

Cancro duro

O cancro duro, causado pelo Treponema pallidum, é a manifestação primária da sífilis, uma doença crônica e multissistêmica de curso variável. A transmissão ocorre principalmente através de relações sexuais de qualquer tipo, incluindo sexo oral e contato íntimo com o exsudato de lesões abertas.

> Manifestações clínicas e diagnóstico

A lesão clássica começa como uma pequena mácula ou pápula que se erosiona, tipicamente evoluindo para uma úlcera única, bem delimitada, redonda ou ovalada. Geralmente é considerada indolor, embora essa percepção seja subjetiva e possa variar. Nos homens, a lesão é frequentemente encontrada na glande, no sulco coronal, no frenulum e na face interna do prepúcio. Nas mulheres, é comum nos grandes e pequenos lábios, na comissura posterior dos pequenos lábios, na fúrcula posterior, no períneo e na região perianal.

Lesões múltiplas podem ocorrer em até 25% dos casos e são mais comumente encontradas em pacientes com infecção pelo HIV.

O diagnóstico definitivo é feito ao demonstrar diretamente a presença de T. pallidum no exsudato da lesão. Os exames de amplificação de DNA, como a reação em cadeia da polimerase (PCR), são considerados definitivos por detectarem sequências específicas dessa bactéria.

Na prática, os testes sorológicos treponêmicos e não treponêmicos são utilizados para diagnóstico presuntivo e decisões terapêuticas. Os primeiros anticorpos contra componentes antigênicos do próprio T. pallidum, tornando-se positivos mais cedo que os segundos, apresentando melhor sensibilidade e especificidade. Contudo, esses não distinguem infecção ativa de infecção passada. Por outro lado, os testes não treponêmicos detectam anticorpos anticardiolipínicos e podem ser titulados.

> Tratamento

Para o tratamento da sífilis, a primeira escolha para o cancro duro é a penicilina benzatina 2,4 milhões UI, administrada via intramuscular (IM), em dose única (1,2 milhão UI em cada glúteo). Como alternativa, pode-se utilizar doxiciclina 100 mg, 1 comprimido via oral (VO), a cada 12 horas, por 15 dias.

Para a sífilis com duração maior ou igual a 1 ano ou de duração desconhecida, a primeira escolha também é a penicilina benzatina 2,4 milhões UI, administrada via IM, a cada 7 dias por 3 semanas (1,2 milhão UI em cada glúteo), totalizando uma dose de 7,2 milhões UI. A alternativa é a doxiciclina 100 mg VO, a cada 12 horas, por 30 dias.

Herpes genital

Dois tipos de herpes vírus são reconhecidos como causadores de úlceras genitais (UG): o herpes simples tipo I (HSV-I) e o tipo II (HSV-II). A infecção ocorre quando o vírus entra em contato com a superfície da pele, especialmente com as mucosas oral e genital. Pode permanecer latente por meses ou anos. Durante os períodos de reativação, ele desce pelos nervos sensoriais até a superfície da pele, onde se replica em células epidérmicas, causando inflamação e lesões.

> Manifestações clínicas e diagnóstico

Uma parcela dos pacientes apresenta um quadro inicial mais grave, conhecido como primo-infecção, onde as úlceras são muito mais dolorosas, numerosas e afetam áreas maiores. Durante as reativações, muitos pacientes relatam pródromos caracterizados por prurido, dor ou parestesia, seguidos por vesículas de conteúdo amarelado agrupadas sobre uma base eritematosa. A ruptura dessas vesículas resulta em erosões ou úlceras de borda bem definida, que são dolorosas, especialmente ao toque, e frequentemente acompanhadas de linfadenopatia regional dolorosa.

As lesões podem ocorrer em qualquer parte das regiões genital ou perigenital e, na face, são mais comuns nas áreas periorificiais, especialmente no vermelhão labial.

Para o diagnóstico, a cultura viral é geralmente restrita a laboratórios de pesquisa, e os testes de amplificação de DNA, especialmente a reação em cadeia da polimerase (PCR), são atualmente considerados o padrão ouro.

> Tratamento

Tabela 1. Tratamento medicamentoso das úlceras genitais derivada pelos agentes do herpes vírus. Imagem adaptada de Ramos et al., 2022.

Linfogranuloma venéreo

A clamídia, causada pelos sorotipos L1, L2 e L3 da Chlamydia trachomatis, tem a capacidade de penetrar na pele e nas mucosas. Pode causar enfermidades localizadas ou sistêmicas, afetando diversos órgãos, incluindo aqueles dos tratos geniturinários.

> Manifestações clínicas

A doença apresenta-se em três estágios. No primeiro, inicia-se com uma pequena pápula ou pústula que, ao erodir, forma uma pequena úlcera. O segundo ocorre entre duas e seis semanas após o primeiro, manifestando-se por linfadenopatia regional. No caso de inoculação na genitália externa, afeta a região inguinofemoral com a formação de um bubão lateral e extremamente doloroso.

Em mulheres, o reto, a vagina superior, o cérvix ou a uretra podem ser envolvidos, com drenagem linfática para os linfonodos ilíacos profundos ou perirretais, resultando em dor lombar baixa e no baixo ventre, podendo ser acompanhada de febre baixa, calafrios, mal-estar, mialgia e artralgia.

O terceiro, também conhecido como “síndrome anogenitalretal”, é mais frequente em mulheres e começa com o desenvolvimento de proctocolite, seguido por abscessos, fístulas, estreitamentos e estenoses do reto.

> Diagnóstico e tratamento

Testes de amplificação de ácido nucleico (do inglês, NAAT) específicos para C. trachomatis pode ser realizado em material coletado do exsudato da lesão primária ulcerada ou do aspirado do bubão. Também podem ser utilizadas técnicas de detecção como a cultura, e imunofluorescência.

Para o tratamento, a primeira escolha é a doxiciclina 100 mg, 1 comprimido via oral (VO), a cada 12 horas, por 21 dias. Como alternativa, pode-se utilizar azitromicina 500 mg, 2 comprimidos VO, uma vez por semana durante 21 dias, sendo esta opção preferencial para gestantes.

Cancroide

O cancroide, também conhecido como cancro mole (ulcus molle), é uma doença ulcerativa transmitida sexualmente que afeta principalmente as regiões genitais e perigenitais, sendo causada pelo Haemophilus ducreyi.

> Manifestações clínicas

A infecção pode ser assintomática em ambos os sexos, mas as lesões causadas por Haemophilus ducreyi são geralmente extremamente dolorosas, impedindo a atividade sexual. De três a sete dias após a infecção, desenvolvem-se pápulas eritematosas e dolorosas, localizadas mais frequentemente no folheto interno do prepúcio ou frênulo nos homens e na vulva, colo do útero ou área perianal nas mulheres. Essas lesões podem causar corrimento ou sangramento vaginal ou anal. Rapidamente evoluem para pústulas que, ao romperem, dão origem a úlceras com bordas descritas como irregulares, serpiginosas e solapadas ou subminadas.

> Diagnóstico e tratamento

A PCR, embora nem sempre disponível, é o método mais sensível e específico para o diagnóstico dessa doença. A coleta do exsudato deve ser realizada usando um swab de algodão, aplicando fricção vigorosa. Os kits de amplificação de DNA multiplex podem detectar simultaneamente outros patógenos, como Treponema pallidum e herpes simples.

Para o tratamento do cancroide, a primeira escolha é a azitromicina 500 mg, administrada em dose única via oral (2 comprimidos). Como alternativa, pode-se utilizar ceftriaxona 250 mg, administrada em dose única via intramuscular.

Donovanose

A donovanose, também conhecida como granuloma inguinal, é causada pela Klebsiella granulomatis. A transmissão ocorre predominantemente por meio de contato sexual.

> Manifestações clínicas

As lesões genitais e perigenitais da donovanose apresentam manifestações variadas. Em 1987, foi proposta a seguinte classificação: 1) lesões ulcerosas, 2) ulcero-vegetantes (a forma mais comum), 3) vegetantes, e 4) elefantiásicas. Essas geralmente são indolores e não apresentam linfoadenomegalia satélite, embora possam ocorrer pseudobubões (adensamentos granulomatosos subcutâneos).

Nos homens, as lesões localizam-se preferencialmente no sulco coronal, região balanoprepucial, ânus e região perianal. Nas mulheres, afetam mais comumente os pequenos lábios e a fúrcula vaginal. Inicialmente, a doença se manifesta como uma pápula ou nódulo subcutâneo, que evolui para uma úlcera vegetante com borda elevada ou ligeiramente evertida, apresentando um fundo de coloração cárnea (vermelho brilhante). A doença crônica pode levar à destruição tecidual e elefantíase genital.

> Diagnóstico e tratamento

Para o diagnóstico, a demonstração dos corpúsculos de Donovan, por meio da microscopia direta em esfregaços colhidos diretamente da lesão, ainda é o método mais efetivo para confirmação do diagnóstico.

No tratamento da donovanose, a primeira escolha é a doxiciclina 100 mg, 1 comprimido via oral (VO), a cada 12 horas, ou sulfametoxazol com trimetoprima (400/80 mg), 2 comprimidos VO, a cada 12 horas, ambos por pelo menos três semanas. Como alternativa, pode-se utilizar azitromicina 500 mg, 2 comprimidos VO, uma vez por semana, por pelo menos três semanas ou até a cicatrização das lesões.

Considerações finais

As úlceras genitais por infecções sexualmente transmissíveis (UG/IST) são uma causa frequente de consultas em unidades especializadas e de atenção primária. Além disso, o uso de preservativos deve ser demonstrado e promovido. A sua utilização reduz, mas não elimina o risco de transmissão dos agentes de transmissão sexual que causam UG. O contato íntimo com áreas não recobertas pelo preservativo e a atividade sexual oral podem resultar em transmissão.Parte superior do formulário Por fim, é crucial que os profissionais de saúde conheçam as características das doenças, formas de diagnóstico e manejo clínico.  Parte inferior do formulário