Introdução |
A rosácea é uma doença inflamatória crônica da pele, de complexa etiopatogênese, envolvendo alteração imunológica e desregulação neurovascular, que apresenta fatores de risco e quadro clínico estabelecidos, os quais podem comprometer significativamente a qualidade de vida de seus portadores.
Tem ampla distribuição mundial, predominando em populações de fototipos baixos. Acomete mais mulheres do que homens, e embora possa afetar crianças e idosos, a principal faixa etária é entre 30−60 anos.
Os mecanismos fisiopatológicos, em particular os inflamatórios e os vasculares, induzem a aceleração da proliferação e diferenciação epidérmica e a disfuncionalidade do estrato córneo, com diminuição da capacidade de atrair e reter água, o que piora o processo inflamatório e agrava o dano à barreira da pele.
Estudos relataram que os sinais e sintomas da rosácea, principalmente o flushing, podem ser desencadeados por fatores ambientais ou hábitos de vida. Dentre esses, pode-se citar: exposição solar, estresse emocional, clima quente ou frio, vento, exercícios físicos intensos, consumo de álcool, banhos quentes, alimentos condimentados, umidade, certos produtos para o cuidado da pele, bebidas quentes, certos cosméticos, medicamentos, condições médicas, entre outros.
Diagnóstico e aspecto clínico |
Duas manifestações são consideradas como sinais ou critérios diagnósticos quando presentes de maneiras isolada ou associadas a outros sintomas (tabela 1).
Tabela 1: Fenótipos da rosácea – características diagnósticas, principais e secundáriasa. a Modificado de Tan et al., 2017 e Gallo et al., 2017.; b Esses achados por si só são diagnósticos de rosácea; c Dois ou mais achados são considerados diagnósticos. Imagem retirada de Oliveira et al., (2020).
- Eritema fixo centrofacial: apresenta um padrão característico que se intensifica periodicamente por fatores desencadeantes.. No entanto, sintomas de irritação, como queimação e pinicação, podem auxiliar o diagnóstico.
- Alterações fimatosas: é um achado patognomônico da rosácea. É mais frequente no sexo masculino e a região nasal é a mais habitual.
> Critérios fenótipos maiores:
- Flushing: Consiste em eritema difuso, que ocorre em surtos de duração e frequência variáveis, intensificando a vermelhidão centrofacial. Surtos de longa duração são comuns. Frequentemente ocorre associado a edema de graus variáveis e pode cursar com sensações de calor, queimação e/ou dor.
- Pápulas e pústulas: São eritematosas, dispostas predominantemente na região centrofacial, algumas maiores e mais profundas.
- Telangiectasias: têm localização centrofacial.
> Critérios fenotípicos secundários
- Ardor e queimação.
- Ressecamento da pele: a região central da face pode ser áspera e descamativa, apesar de o paciente relatar ter “pele oleosa”.
- Rosácea ocular: pode se comportar de maneira independente das lesões cutâneas, podendo estar presente em quadros leves, moderados, graves ou mesmo na ausência de critérios fenotípicos principais.
Tratamento |
As orientações devem ser dirigidas à identificação e prevenção da exposição a fatores desencadeantes, que causam agressão à barreira cutânea e/ou vasodilatação.
Os cuidados gerais devem incluir: limpeza suave, apenas uma a duas vezes ao dia, com agentes sem sabões, ou seja, loções para peles sensíveis como água micelar ou com sabonetes suaves, com pH 5,5. Além disso, recomenda-se uso diário de hidratantes não gordurosos, com composição semelhante ao fator de hidratação natural da pele, de preferência rico em ceramidas, ácido hialurônico, glicerina, alantoína, licorice, niacinamida, óleos de plantas (triglicerídios, polifenóis, triterpenos, ácidos graxos livres, fosfolípides, antioxidantes, como tocoferol etc.) e sem alfa‐hidroxiácidos.
Como a inflamação compromete a função de barreira, aumenta a perda de água transepidérmica e deixa a pele seca e sensível, os hidratantes com função oclusiva e umectante devem ser aplicados, preferencialmente à noite, quando a recuperação da barreira epidérmica é mais lenta e a permeabilidade e a perda de água são mais elevadas. Os para peles sensíveis são mais indicados.
A fotoproteção de amplo espectro deve ser diária, contínua, com fator de proteção superior a 30, preferencialmente contendo dimeticone, óxido de zinco ou dióxido de titânio para evitar dermatite irritativa e com pigmentação, que funcionam como corretivos.
> Tratamentos tópicos
Os tratamentos tópicos mais citados na literatura são: metronidazol a 0,75% em gel ou creme e 1% em creme; ácido azelaico 15% em gel ou 20% em creme; agonistas do receptor α‐1 adrenérgico (tartarato de brimonidina 0,5% em gel e oximetazolina 1% em creme) e ivermectina 1% em creme.
Outros agentes tópicos para o tratamento da rosácea já relatados em publicações antigas são: sulfacetamida de sódio 10%, loções de enxofre 5% ou 10%, peróxido de benzoíla 5% e os retinoides (retinaldeído 0,05%; tretinoína 0,025% ou 0,05%). Os dois últimos apresentam alto risco de causar dermatite irritativa e só têm o uso justificado se a rosácea estiver associada à acne ou fotoenvelhecimento.
> Tratamentos sistêmicos
Casos graves ou refratários exigem tratamento sistêmico isolado ou associado ao tópico.
As drogas de uso sistêmico são os antibióticos, especialmente do grupo das ciclinas, metronidazol e isotretinoína. Apesar de na prática o uso da limeciclina ser frequente, não há evidências no tratamento da rosácea.
Abordagem global no manejo da rosácea deve ser baseada no conhecimento e na escolha das várias opções terapêuticas tópicas e sistêmicas de acordo com o fenótipo e a gravidade da doença.
Quando prevalece o eritema transitório, também conhecido por flushing, não há tratamento com evidência estabelecida. Orientam‐se medidas gerais e cuidados com a pele. Podem ser usadas máscaras calmantes com camomila, matricária, chá verde, etc. Não são mais indicados os agonistas alfa‐adrenérgicos tópicos e os betabloqueadores orais. O uso da toxina botulínica, em injeções intradérmicas, foi sugerido em relatos de casos, com sucesso, podendo representar uma opção terapêutica que necessita de mais estudos.
Para o eritema persistente foram recomendados os agonistas alfa‐adrenérgicos, como o tartarato de brimonidina 0,5% em gel e oximetazolina 1% em creme. Podem ser usados laser e luz intensa pulsada (LIP).
Para as lesões inflamatórias, papulopustulosas, são indicados tratamentos tópico e/ou sistêmico. Para formas leves a moderadas, a ordem de preferência inclui ácido azelaico, ivermectina, metronidazol tópico e doxiciclina 40mg/dia; para graves, ivermectina tópica, doxiciclina 40mg/dia e isotretinoína oral em dose diária baixa, de 0,25−0,3mg/kg, em uso off label.
O tratamento da rosácea ocular deve incluir higiene das pálpebras, uso de lágrima artificial para lubrificação ocular, óculos de sol; nos casos leves, metronidazol a 0,75%, ivermectina, ácido fusídico aplicado nas pálpebras, ciclosporina 0,05% em colírio ou emulsão, corticoides tópicos; nos graves, doxiciclina oral.
Para o tratamento de manutenção, recomenda-se o uso de agentes tópicos, ácido azelaico, metronidazol e ivermectina. Em casos selecionados, pode ser usada a isotretinoína em microdoses (20mg/semana), com rigoroso controle laboratorial e do risco de gravidez.
> Tecnologia e cirurgia
- Luz intensa pulsada (LIP): indicada no tratamento de telangiectasias. Pode ter alguma ação sobre o eritema, principalmente perilesional, nas pápulas e pústulas, dependendo do filtro de corte. Sintomas inflamatórios como prurido, edema, queimação, ardor e dor podem ser amenizados.
- Pulsed dye laser (PDL) (585nm ou 595nm): bem indicado no eritema e na telangiectasia. A introdução da configuração de pulsos mais longos entre 20−40ms reduziu a ocorrência de púrpura e hiperpigmentação e manteve a eficácia.
- ND: YAG de pulso longo (1064nm): boa eficácia no tratamento da telangiectasia facial. Em vasos mais profundos e em telangiectasias maiores do que 1mm, mostrou‐se superior à LIP.
- Potássio‐titanil‐fosfato (KTP) (532nm): são mais efetivos em telangiectasias pequenas e superficiais.
- Laser de alexandrita (755nm): têm potencial nas telagiectasias subdérmicas.
- Laser pro‐yellow/laser amarelo: apresentou eficácia no tratamento do eritema e telangectasias faciais na rosácea.
- Diodo emissor de luz (LED): tem indicação suplementar em eritema e lesões inflamatórias
- Radiofrequência: tem efetividade variável no tratamento do eritema facial, lesões papulopustulosas e rinofima.
- Ultrassom: apresentou melhoria do eritema e telangiectasias na rosácea.
- Eletrocirurgia: pode ser empregada em baixas configurações para tratar telangiectasias.
- Microagulhamento: pode melhorar o eritema e telangiectasia na rosácea.
Para o tratamento das fimas, são preferidas as técnicas que causem menores danos às estruturas anexiais, juntamente com custos e tempo de cirurgia mínimos. Os tratamentos podem ser excisionais ou ablativos.
Os excisionais envolvem cirurgia convencional, com escultura dos fimas por shaving, tesoura, lâmina de bisturi e/ou eletrocoagulação, eletrocirurgia com fio em alça, radiofrequência e ablação com laser. A excisão cirúrgica é a base do tratamento para o rinofima.
Os ablativos podem ser o laser CO2, dermoabrasão, ácido tricloroacético, laser, Er-Yag e criocirurgia com nitrogênio líquido.
Recentemente, a toxina botulínica tem sido empregada no tratamento de eritema, rubor e lesões inflamatórias da rosácea, principalmente quando outras terapias são ineficazes. Sua aplicação é intradérmica e deve ser utilizada em diluições maiores. Até o momento, o seu mecanismo de ação ainda é controverso.
Qualidade de vida |
Como a rosácea afeta áreas visualmente aparentes da pele, geralmente causa um forte impacto na qualidade de vida dos pacientes, frequentemente subestimado pelos dermatologistas. Estudos comprovaram que a doença pode levar a depressão, ansiedade, vergonha, baixa autoestima e fobia social.
O estresse pode ser um fator desencadeante, e está relacionado à desregulação vascular e à imunidade da pele resultante da liberação de neuropeptídeos após estímulos excessivos dos nervos. Portanto, o não controle dos sintomas pode agravar o estresse, resultando num ciclo vicioso.
Comorbidades |
Outrora considerada como limitada à pele, a rosácea vem sendo descrita em associação a doenças sistêmicas e já foi descrita como ‘‘doença inflamatória sistêmica’’. Além das doenças cardiovasculares, outras desordens têm sido descritas associadas à rosácea: doenças neurodegenerativas (doença de Parkinson, esclerose múltipla, Alzheimer), desordens neurológicas (enxaqueca, glioma), desordens psiquiátricas (depressão, ansiedade, distúrbio obsessivo compulsivo, fobia social, estresse), doença intestinal (doença de Crohn, retocolite ulcerativa, doença celíaca, disbiose, infecção por H. pylori, supercrescimento bacteriano no intestino delgado), doenças oncológicas, doenças autoimunes, entre outras.