Introdução |
O parto prematuro (PTP) ocorre espontaneamente em 75-80% dos casos, levando a trabalho de parto prematuro (TPP) ou ruptura prematura de membranas (RPM).
O PTP é a principal causa de mortalidade neonatal e leva a morbidades a curto e longo prazo. A medição do comprimento cervical (CC) por ultrassonografia transvaginal (USTV) tem se mostrado eficaz na previsão do PTP, tanto em mulheres assintomáticas quanto sintomáticas.
A triagem para PTP espontâneo em mulheres assintomáticas é importante, pois existem estratégias preventivas que podem ser oferecidas a pacientes com alto risco. Essas incluem suplementação de progesterona (vaginal ou intramuscular), cerclagem cervical e pessário de silicone.
Por isso, a The International Society of Ultrasound in Obstetrics & Gynecology (2022) realizou uma diretriz com o objetivo de avaliar o papel da ultrassonografia na previsão do PTP em mulheres assintomáticas ou com sintomas de TPP, com o objetivo de prevenir a prematuridade e melhorar o resultado perinatal e a longo prazo do bebê.
Estratégias de triagem baseadas na ultrassonografia para PTP espontâneo em mulheres assintomáticas com gestação única |
Numerosos sistemas de pontuação de risco usando exclusivamente história clínica foram desenvolvidos com o propósito de identificar pacientes em risco de PTP. No entanto, sofrem de variações em sua precisão e reprodução limitada em diferentes populações. O exame de toque vaginal sempre foi o método mais comum para avaliar o colo do útero no contexto do trabalho de parto. Embora esta seja simples e barata, ela não melhora a detecção de PTP.
A medição ultrassonográfica do comprimento cervical (CC) foi estabelecida como parte indispensável da triagem para PTP.
Visando a reprodutibilidade do procedimento, a medição do CC deve ser realizada seguindo um protocolo sequencial e padronizado. Resumidamente, deve ser realizado com a bexiga vazia. Requer uma visão sagital com o colo ocupando de 50 a 75% da tela e o canal cervical, óstio interno e externo visíveis. A pressão sobre o colo do útero deve ser minimizada. Para permitir mudanças dinâmicas, pelo menos três medidas em linha reta devem ser obtidas, entre o óstio interno e o externo, sendo registrada a menor medida tecnicamente correta.
A via transvaginal é a recomendada por sua precisão, reprodutibilidade e ser menos suscetível a problemas técnicos.
Triagem em gestações únicas assintomáticas sem fatores de risco prévios para PTP espontâneo |
A descoberta ultrassonográfica de um colo do útero curto aumenta o risco de PTP em gestações únicas sem fatores de risco adicionais ou sintomas. No geral, quanto menor for a medição e quanto menor a idade gestacional, maior será a taxa de PTP espontâneo. No entanto, a precisão da avaliação depende de vários fatores, como a população estudada, a prevalência basal de parto prematuro, os valores de corte para definir o colo, a idade gestacional em que o teste de triagem é realizado e a a estratégia preventiva que é aplicada.
Por razões logísticas, é aconselhável triar mulheres assintomáticas pela medição do CC entre 18 e 24 semanas de gestação, como parte do exame morfológico do segundo trimestre. Avaliações realizadas antes deste período tendem a superestimar esse valor. Considera-se 24 semanas a data limite por ser um prazo comum para medidas preventivas, como administração de progesterona e colocação de cerclagem, bem como um ponto de partida para intervenções terapêuticas.
Outros achados ultrassonográficos como preditores de PTP espontâneo |
O sludge matéria hiperecóica concentrada perto do óstio interno ou dispersa na cavidade amniótica. Pode conter pus, micróbios e/ou outras partículas sólidas, como coágulos sanguíneos, vérnix ou mecônio, e tem sido associado à infecção amniótica e ao aumento do risco de PTP, especialmente no contexto de um colo do útero curto e perda espontânea no segundo trimestre anterior. No entanto, não há consenso quanto à necessidade de testes diagnósticos adicionais ou tratamento.
Opções de manejo após identificação de colo do útero curto em gestações únicas assintomáticas |
> Medidas conservadoras
Embora considerado seguro pelos médicos, o repouso prolongado e a hospitalização em mulheres com colo curto foi associado a um aumento do risco de eventos tromboembólicos e efeitos psicológicos negativos, e até mesmo com taxas mais altas de PTP.
No entanto, em mulheres assintomáticas com gestação única e colo curto, exercitar-se ≥ 2 dias por semana por ≥ 20 minutos por dia foi associado a uma redução de 32% nos partos < 37 semanas. Portanto, as pacientes devem ser aconselhadas a manter sua atividade habitual.
> Progesterona A administração de progesterona natural via vaginal foi recomendada para mulheres assintomáticas com gestação única sem parto pré-termo anterior e um CC ≤ 25 mm antes de 24 semanas, desde a detecção até 36 semanas |
> Cerclagem
Para mulheres grávidas com CC entre 10 e 25 mm, recomendou-se iniciar o tratamento com progesterona vaginal, acompanhando as medidas a cada 1-2 semanas até 24 semanas. Se o valor diminuir progressivamente para < 10 mm, a cerclagem cervical pode ser considerada. Após o procedimento, não foram recomendadas mais medidas de CC, pois nenhuma outra terapia demonstrou alterar o resultado.
> Pessário cervical
As evidências não apoiaram o uso de pessário para prevenir PTP em pacientes assintomáticas com CC < 25 mm fora de protocolos de pesquisa.
> Triagem universal do comprimento cervical
Ainda permanece o debate se a implementação da triagem do CC deve ser universal. Embora tenha sido calculado um aumento significativo nas despesas com saúde com a introdução dessa estratégia, várias publicações atestaram uma relação custo-benefício. Essa se deve especialmente porque, após a identificação de um colo do útero curto em pacientes assintomáticas, a prescrição oportuna de progesterona vaginal resulta em uma redução de PTP juntamente com seus custos individuais, familiares e relacionados à saúde. Ademais, quando a triagem é limitada as pacientes com pelo menos um fator de risco para PTP, pode deixar de diagnosticar quase 40% das mulheres com colo do útero curto, que estão potencialmente em alto risco para parto prematuro.
Portanto, de acordo com a The International Society of Ultrasound in Obstetrics & Gynecology, quando uma análise de viabilidade local abrangente, combinada com a disponibilidade de medidas preventivas, indica que há financiamento, habilidades e equipamentos suficientes, recomendou a triagem universal do CC para PTP usando TVS para gestações únicas assintomáticas entre 18 e 24 semanas.
Gravidez única assintomática com fatores de risco adicionais para PTP espontâneo |
Diversos fatores, modificáveis ou não, levam as mulheres a serem consideradas de alto risco. Exemplos dos primeiros incluem infecções do trato urinário e/ou genital, tabagismo, uso de substâncias, acesso inadequado aos cuidados médicos e abuso físico.
> PTP espontâneo anterior
O fator de risco pré-existente não modificável mais significativo para PTP é o histórico de parto prematuro espontâneo. A progesterona tem sido usada para a prevenção de PTP em mulheres grávidas de alto risco assintomáticas por décadas. No entanto, recentemente, o debate se concentrou no tipo e na via de administração da substância.
Para prevenir PTP em mulheres grávidas assintomáticas não selecionadas com história de PTP espontâneo, parece razoável considerar o uso de progesterona natural via vaginal (gel, 90–200 mg/dia) até 36 semanas, independentemente da medição do CC.
> PTP espontâneo anterior com insuficiência cervical
Indícios sugestivos de insuficiência cervical, como dilatação cervical avançada sem dor ou perda gestacional no início do segundo trimestre com início espontâneo do trabalho de parto, são fatores de risco significativos para perda gestacional recorrente ou PTP grave (< 28 semanas). A indicação profilática de cerclagem entre 12-14 semanas nessa população foi associada a uma redução significativa na taxa de PTP < 33 semanas.
> PTP espontâneo anterior com colo do útero curto
Uma metanálise de 2011 mostrou que, para mulheres grávidas com gestação única e PTP espontâneo anterior, com CC < 25 mm detectado antes de 24 semanas, a cerclagem diminui significativamente tanto a PTP < 35 semanas, quanto a morbidade e mortalidade perinatais. Estudos concluíram que a progesterona vaginal e a cerclagem têm eficácia semelhante.
> Papel do acompanhamento do CC após o início das medidas preventivas
Estudos sobre a medida CC seriada mostraram uma associação significativa entre o encurtamento cervical e o PTP espontâneo, independentemente do seu valor inicial. Quando iniciado a progesterona vaginal, é importante realizar o acompanhamento. Comparado à cerclagem, a política de triagem do CC por ultrassom mostrou-se igualmente eficaz e resultou em desfechos gestacionais comparáveis. O acompanhamento por esse método de imagem pode evitar a necessidade de cerclagem em 58% dos casos quando as medições permanecem estáveis, prevenindo possíveis complicações cirúrgicas.
Portanto, recomendou-se a realização de medições seriadas do CC em pacientes que utilizam progesterona e têm histórico de PTP espontâneo anterior. Essas devem começar no início do segundo trimestre (14-16 semanas) e continuar até a 24ª semana, já que a cerclagem geralmente não é realizada após essa idade gestacional. Durante o período de vigilância, as medições devem ser repetidas a cada 2 semanas se o CC permanecer ≥ 30 mm e, potencialmente, semanalmente se estiver entre 26 e 29 mm. Nos casos em que for ≤ 25 mm antes de 24 semanas, os riscos e benefícios da cerclagem cervical devem ser discutidos, e o procedimento pode ser recomendado.
> Fatores de risco adicionais não modificáveis associados ao PTP espontâneo
Mulheres com cirurgia cervical prévia, como procedimentos de excisão eletrocirúrgica com alça (LEEP) e conização com bisturi frio, estão em maior risco de PTP. Uma profundidade de ressecção cervical maior que 10–12 mm foi associada a um aumento do risco de PTP. No entanto, fatores de risco subjacentes além do próprio procedimento podem estar presentes em mulheres com displasia cervical e podem atuar como fatores de confusão.
A cerclagem profilática não reduziu o risco de PTP em mulheres após cirurgia excisional. O papel do monitoramento seriado do CC também foi questionável. Consequentemente, nessa população, parece razoável manejar de forma semelhante àquelas com um exame de TVS do CC no segundo trimestre ou prescrevendo progesterona e realizando medições seriadas em caso de histórico anterior de PTP espontâneo.
Mulheres com anomalia uterina congênita, miomas ou condição médica pré-existente que possa afetar a estrutura conectiva cervical estão em maior risco de PTP espontâneo. No entanto, a triagem para colo do útero curto por meio de vigilância de TVS do CC no segundo trimestre é apenas moderadamente preditiva de PTP às 24 semanas em pacientes com útero septado. Portanto, elas devem se beneficiar das mesmas estratégias preditivas e preventivas que as mulheres grávidas com histórico de conização.
Ultrassom no manejo da gestação única com sintomas de trabalho de parto prematuro |
Mulheres com gestação única que apresentaram sintomas de TPP são vistas com frequência na prática clínica, representando mais de 15% dos casos atendidos nas unidades de triagem obstétrica de hospitais terciários. A sua definição é problemática e geralmente leva em consideração exames digitais cervicais seriados para avaliação de dilatação e apagamento, e registro manual ou tocográfico de contrações uterinas. Além disso, em 25–45% das pacientes com ameaça de TPP e mínima dilatação cervical, ocorre resolução espontânea e 76% dessas dão à luz a termo. Essa discrepância tem um impacto óbvio nas decisões de manejo, no custo do tratamento e, em última análise, no resultado da gravidez. Portanto, nos últimos anos, a avaliação do comprimento cervical por ultrassom e os marcadores bioquímicos no ponto de atendimento têm sido avaliados como ferramentas para ajudar na previsão de quais pacientes sintomáticas estão em maior risco de parto prematuro e racionalizar seu cuidado.
Uma meta-análise investigou o impacto do conhecimento do CC medido por ultrassom na prevenção do parto prematuro em 287 gestações únicas sintomáticas. Mulheres randomizadas para o grupo com CC conhecido tiveram uma redução significativa de 36% na taxa de parto prematuro < 37 semanas e um aumento na latência para o parto de aproximadamente 4,5 dias em comparação com o grupo controle.
Limiar do comprimento cervical para tomada de decisão clínica em mulheres sintomáticas |
Embora a medição do comprimento cervical pareça auxiliar na racionalização do cuidado do trabalho de parto prematuro, diferentes limites e protocolos de manejo têm sido utilizados. No último caso, pode-se citar a decisão entre alta hospitalar ou internação, e o uso de antibióticos para colonização pelo estreptococo do grupo B, corticosteroides, tocolíticos e neuro proteção com sulfato de magnésio.
Ainda não há um consenso em relação aos limites de corte do CC para o manejo de mulheres sintomáticas, valores fixos de < 15 mm ou < 20 mm e ≥ 30 mm podem ser usados como preditores para maior e menor risco de TPP dentro de 7 dias, respectivamente. Sendo assim, se os valores forem ≥ 30 mm, a gestante pode ter alta hospitalar com precauções. Mas se < 20 mm, a administração de esteroides para maturidade fetal e tocolíticos podem ser considerados.
Marcadores bioquímicos no ponto de atendimento no manejo de mulheres sintomáticas |
A fibronectina fetal (FFN) é o marcador mais estudado ponto de atendimento para a predição de PTP. É uma glicoproteína da matriz extracelular encontrada na decídua e nas membranas amnióticas. A sua detecção qualitativa em concentrações de > 50 ng/mL após 22 semanas tem sido associada a taxas aumentadas de trabalho de parto prematuro espontâneo.
No entanto, ainda não há evidências definitivas de alta qualidade para apoiar o uso dos testes bioquímicos no ponto de atendimento, principalmente o FFN, além da medição do CC por TVS. Porém, como algumas sociedades médicas validaram essa estratégia, esses marcadores podem ser considerados para pacientes sintomáticas selecionadas com um CC entre 15 e 20 mm.
Ultrassom no Manejo da Gravidez Múltipla |
A maioria das gestações múltiplas resulta em parto prematuro, e quanto maior o número de fetos, menor a idade gestacional esperada no parto, o que leva a um aumento na morbidade e mortalidade. As taxas aproximadas de PTP < 34 semanas nos EUA em 2018 foram de 2% para gestações únicas, 20% para gêmeos, 63% para trigêmeos e 83% para quadrigêmeos. Essas também dependem da corionicidade. A taxa geral de parto < 37 semanas para gestação gemelar monocoriônica monoamniótica é de 100%, monocoriônica diamniótica é de 88,5% e para dicoriônica diamniótica é de 48,6%, e as taxas correspondentes para PTP < 32 semanas são de 26,8%, 14,2% e 7,4%, respectivamente.
Assim como na gestação única, a medição do CC por TVS tem sido estudada como uma ferramenta de triagem para PTB na gestação gemelar. Sabe-se que os seus valores tendem a ser inclinados para comprimentos mais curtos. Em termos pragmáticos, a maioria das publicações tende a usar o limite de corte fixo empírico de 25 mm entre 18 e 24 semanas gestacionais.
Prevenção do PTP espontâneo em gestação múltipla assintomática |
Uma revisão que avaliou o repouso estrito ou parcial no hospital ou em casa para gestação múltipla não relatou nenhum benefício em relação aos riscos de PTP < 37 ou < 34 semanas, mortalidade perinatal ou baixo peso ao nascer. Da mesma forma, outra revisão que abordou o uso de beta miméticos orais profiláticos versus placebo para reduzir o parto prematuro em mulheres com gestação gemelar não demonstrou evidências para apoiar seu uso.
> Papel da progesterona
Dado que a gestação múltipla é o fator de risco mais significativo para o PTP, vários estudos testaram a administração profilática de progesterona. Ficou evidente desde o início que tal estratégia não apenas falha em reduzir a taxa de prematuridade, mas também pode aumentar o risco de algumas complicações fetais, incluindo morte perinatal. No entanto, uma metanálise indicou que a progesterona vaginal pode melhorar o resultado pré-natal para o subgrupo de gestações gemelares com colo do útero curto.
Sendo assim, o uso de progesterona não foi recomendado para a prevenção do PTP em gestação gemelar não selecionada. No entanto, quando usada via vaginal, pode ser considerada na gestação gemelar com CC ≤ 25 mm.
> Papel do cerclagem cervical na gestação múltipla
Embora o uso de cerclagem possa ser benéfico em procedimentos eletivos ou indicados por ultrassom na gestação única, não há evidências adequadas para apoiar a sua indicação e na gemelar.
Uma estratégia combinada de cerclagem, antibióticos e tocolíticos pode ser considerada na gestação gemelar assintomática com colo do útero dilatado antes de 24 semanas, no entanto, ainda são necessários mais estudos.
Gestação múltipla sintomática para trabalho de parto prematuro |
Não há evidências suficientes para apoiar o benefício da medição do CC em mulheres sintomáticas com gestação gemelar e PTP, ou que sugiram limites ideais para orientar o manejo clínico.
Avanços recentes e novas perspectivas |
Em tempos de avanços tecnológicos, diversas ferramentas para PTP foram desenvolvidas, como calculadoras que auxiliam a sua predição com base em fatores de risco maternos e na medição do CC entre 20+0 e 24+6 semanas. Os algoritmos desenvolvidos para o aplicativo QUiPP™ v.2 para mulheres assintomáticas de alto risco fornecem risco personalizado de PTP com base no CC, FFN quantitativo ou ambos os testes combinados, enquanto consideram os fatores de risco maternos.
Evidências clínicas indicaram que a administração combinada de ceftriaxona, claritromicina e metronidazol em gestantes com processo inflamatório intra-amniótico pode resolver 75% dos casos e prevenir até 40% dos partos < 34 semanas de gestação.