Revisão aprofundada

Mecanismos de lesão epitelial das vias aéreas e reparo anormal na asma e na DPOC

Evidências atuais sugerem um ciclo constante de lesão e reparo anormal do epitélio que leva à inflamação crônica das vias aéreas

Introdução

O revestimento epitelial das vias aéreas constitui um sistema intrincado, composto por diversas categorias celulares. Estas células operam em conjunto com o sistema imunológico, colaborando para estabelecer uma barreira íntegra que impede a entrada de partículas e agentes patogênicos. Paralelamente, o sistema mucociliar retém e expulsa partículas estranhas presentes no sistema respiratório. Contudo, falhas em tais sistemas podem resultar na deterioração da função de barreira, favorecendo o surgimento de distúrbios das vias aéreas, tais como doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e asma.

A prolongada exposição à fumaça do cigarro emerge como o fator de risco preponderante na gênese da DPOC, ocasionando modificações no revestimento epitelial. Essa lesão desencadeia uma reação imunológica persistente, levando progressivamente à deterioração dos alvéolos (enfisema), o aumento da produção de muco e a formação de fibrose peribrônquica. Já no contexto das vias respiratórias afetadas pela asma, quando a camada epitelial sofre rupturas, ocorre a liberação de citocinas pró-inflamatórias. Estas têm o papel de ativar e atrair células do sistema imune, que por sua vez agravam o dano ao epitélio e exacerbam os quadros de crises asmáticas experimentados pelos pacientes.

Com base em tais informações, Raby e colaboradores (2023) abordaram a forma como as mudanças na estrutura e função observadas na DPOC e no epitélio afetado pela asma desempenham um papel significativo no agravamento da doença, intensificação dos sintomas e a redução da capacidade pulmonar ao longo do tempo.

1 | Disfunção epitelial das vias aéreas na asma

A asma é uma condição inflamatória crônica, marcada por uma resposta imune persistentemente elevada. Pessoas que sofrem com essa enfermidade comumente manifestam sintomas respiratórios variáveis, tais como tosse e excessiva produção de muco.

Na patologia, o revestimento das vias aéreas manifesta alterações estruturais e funcionais anômalas, resultando em uma liberação excessiva de citocinas, tais como IL-6, CXCL8 e alarminas. Estes mediadores ativam e atraem células do sistema imunológico, incluindo eosinófilos, células Th2, macrófagos e neutrófilos. Os dois últimos geram enzimas proteolíticas e espécies reativas de oxigênio (ROS), enquanto o primeiro libera proteínas catiônicas, ampliando os danos ao epitélio e intensificando os sintomas da condição.

> Alterações estruturais epiteliais na asma

Nos pacientes com asma, observa-se um aumento no número de células basais nas vias aéreas, o que resulta em uma redução na capacidade de proliferação e diferenciação celular. Isso por sua vez provoca hiperplasia das células caliciformes e um desequilíbrio na produção de mucinas, com um aumento em MUC5AN e uma diminuição em MUC5B. É notável que essas duas mucinas desempenham funções distintas nas vias aéreas:

- MUC5B está envolvida na depuração mucociliar normal do muco;

- MUC5AC, por outro lado, contribui para a exacerbação da hiper responsividade das vias aéreas e para a obstrução do muco.

Outra modificação que ocorre no epitélio durante a asma envolve os marcadores Club Cell (CCSP), que aumentam após a exposição a alérgenos em pacientes com asma alérgica. Esse aumento sugere um escape agudo, provavelmente ocasionado por danos às células CCSP no revestimento epitelial das vias aéreas menores.

A diferenciação celular anormal pode contribuir para tais alterações, como a IL-13 (citocina anti-inflamatória) que quando elevada na asma alérgica inibe a diferenciação das células ciliadas e causa redução da frequência do batimento ciliar, especificamente, regula positivamente a expressão de SPDEF e MUC5AC.  

Figura 1. Efeito de células inflamatórias crônicas e citocinas na função de barreira e integridade na asma.

2 | Disfunção epitelial das vias aéreas na DPOC

A DPOC é marcada por uma obstrução permanente do fluxo de ar, resultando em sintomas como dificuldade respiratória, tosse persistente e produção excessiva de escarro. Um dos fenótipos clínicos da doença é a bronquite crônica, que se caracteriza por tosse crônica e produção de muco durante pelo menos três meses ao longo de dois anos consecutivos. Ambas as condições compartilham alterações no revestimento epitelial que contribuem para a produção crônica de muco. Isso se deve à diminuição das células ciliadas, responsáveis pela remoção do fluido, e ao aumento das células secretoras, resultando em maior produção de muco. Essa maior quantidade de secreção torna o tratamento mais desafiador e contribui para a progressão dos sintomas, episódios repetidos de infecção e declínio mais acelerado da função pulmonar.

Figura 2. Alterações epiteliais na DPOC.

> Alterações na estrutura epitelial na DPOC

Evidências indicaram um aumento do número de células basais nas vias aéreas de pacientes com DPOC, que exibem uma capacidade reduzida de se regenerar e diferenciar adequadamente. Nestas células basais, o receptor de crescimento epitelial (EGFR) está presente e pode ser ativado pelo fator de crescimento epidérmico (EGF) liberado pelas células ciliadas em resposta à fumaça do cigarro e mediadores inflamatórios. O EGFR apresenta-se elevado em fumantes, e está associado ao aumento de muco e metaplasia escamosa via sinalização Notch.

Amostras colhidas na broncoscopia de indivíduos tabagistas mostraram perda de cílios, cílios mais curtos e defeitos ultraestruturais no axonema

A expressão genética dos componentes da dineína (DNAH5, DNAH9 e DNAH11) que impulsionam o movimento dos cílios, bem como das proteínas de transporte intraflagelar (IFT43, IFT57, IFT144 e IFT172), responsáveis pelo comprimento e desenvolvimento dos cílios, demonstrou redução em indivíduos fumantes. Na DPOC, características semelhantes de perda e encurtamento de cílios, e movimentos ciliares mais lentos são observadas em comparação com indivíduos saudáveis. Embora as terapias inalatórias utilizadas para DPOC, como os β2-agonistas e os antagonistas muscarínicos, possam aumentar a motilidade ciliar, esses efeitos são prejudicados em decorrência dos níveis elevados de inflamação presentes.

Discussão & conclusão

O epitélio desempenha um papel crucial na proteção das vias aéreas contra patógenos e irritantes inaláveis, servindo como uma barreira física que retém essas substâncias e as remove através do movimento ciliar e do sistema imunológico. No entanto, em condições como asma e DPOC, defeitos intrínsecos nos mecanismos de proteção e reparo, combinados com lesões repetidas, resultam em alterações significativas na estrutura e função do epitélio.

Especificamente, na DPOC, a superprodução de muco e a disfunção ciliar prejudicam a remoção adequada de substâncias, o que aumenta a entrada de patógenos nas paredes das vias aéreas, desencadeando uma resposta imunológica. Tanto na asma quanto na DPOC, esse ciclo contínuo de dano e reparo anormal culmina em inflamação crônica e remodelamento das vias aéreas.

Uma abordagem promissora é direcionar os mecanismos subjacentes à suscetibilidade ao dano e ao reparo inadequado no epitélio, o que pode levar a terapias inovadoras e mais eficazes para essas doenças respiratórias. Estudar os efeitos da remoção de citocinas-chave como IL-5, IL-4 e alarminas, bem como explorar como isso poderia alterar a interação entre o epitélio e as células imunológicas, juntamente com as principais proteínas e vias que sofrem modificações na barreira epitelial da asma e DPOC, como as vias de sinalização Notch, além das junções comunicantes, representa uma direção promissora para pesquisas futuras sobre a integridade da barreira epitelial.