Atualização da prática clínica

Novos antibióticos para infecção por Staphylococcus aureus

Uma atualização da Associação Mundial de Doenças Infecciosas e Distúrbios Imunológicos e da Sociedade Italiana de Terapia Anti-infecciosa

Introdução

O Staphylococcus aureus é um patógeno extremamente virulento, capaz de evoluir rapidamente e desenvolver resistência a antibióticos. A fim de transpor esse problema, e considerando que boa parcela da população carreia o S. aureus, o qual pode se tornar virulento, novos fármacos antiestafilocócicos foram desenvolvidos. Alguns foram licenciados para uso na prática clínica, principalmente para o tratamento de adultos com infecções agudas de pele e tecidos moles, além de pneumonia adquirida na comunidade (PAC) e pneumonia nosocomial (pneumonia bacteriana adquirida em hospital [PAH] e pneumonia associada à ventilação mecânica [PAVM]).

Algumas revisões publicadas recentemente resumiram as características microbiológicas e clínicas de alguns desses fármacos. No entanto, nenhuma detalhou a eficácia de todas as preparações licenciadas. Por isso, Esposito e colaboradores (2023) discutiram as principais características e o uso clínico dos novos antiestafilocócicos licenciados pelo Food and Drug Admininstration (FDA) e/ou European Medicines Agency (EMA).

Um grupo de especialistas da Associação Mundial de Doenças Infecciosas e Distúrbios Imunológicos e da Sociedade Italiana de Terapia Anti-Infecciosa selecionou e analisou todos os estudos listados pelo PubMed nos últimos 15 anos. Avaliaram os estudos clínicos ou, quando não disponíveis, in vitro, publicados sobre o uso dos antibióticos antiestafilocócicos para as indicações acima mencionadas. Por fim, revisaram os ensaios clínicos realizados em pacientes pediátricos.

  • Cefalosporinas

As cefalosporinas de primeira geração, como a cefazolina, foram amplamente utilizadas no passado para tratar infecções por S. aureus. Infelizmente, a resistência adquirida excluiu o seu uso para uma alta porcentagem de infecções.

A utilização maciça de cefalosporinas de primeira geração para o tratamento de infecções por S. aureus levou ao surgimento da resistência à essa classe, o que limitou seu uso, especialmente em infecções mais graves nas quais o S. aureus é o patógeno provável, mas não se consegue determinar o agente.

No entanto, recentemente, dois fármacos foram desenvolvidos com objetivo de transpor o desafio da resistência bacteriana às cefalosporinas: ceftobiprole e a ceftarolina.

O ceftobiprole (CEF), cefalosporina de quinta geração, possui uma ótima ação contra Staphylococcus aureus, incluindo as cepas resistentes à meticilina (MRSA), além de espectro ampliado contra outras bactérias Gram-positivas, Gram-negativas e anaeróbias. É aprovado pela EMA para uso na contra PAC, PAH e infecções agudas de pele e tecidos moles (IAPTCs).

Dois ensaios clínicos randomizados testaram a eficácia do ceftobiprole para o tratamento de PAC e PAH. No primeiro, pacientes adultos com pneumonia adquirida na comunidade que necessitaram de hospitalização foram incluídos e randomizados para receber CEF ou ceftriaxona associados ou não à linezolida. Foi demonstrada a não inferioridade clínica e microbiológica do ceftobiprole em comparação com os grupos controles. Os eventos adversos associados ao tratamento foram ligeiramente maiores no grupo CEF do que no grupo de controle, principalmente devido à maior frequência de náuseas e vômitos. No segundo estudo, pacientes adultos com pneumonia nosocomial foram inscritos e tratados com CEF ou ceftazidima associado à linezolida. O estudo demonstrou não inferioridade do ceftobiprole em comparação com o tratamento antibiótico combinado.

A ceftarolina (CET) é uma cefalosporina bactericida intravenosa licenciada pela EMA para o tratamento de adultos e crianças (incluindo recém-nascidos) com infecções de pele e tecidos moles complicadas e pneumonia adquirida na comunidade. Nos Estados Unidos, o fármaco tem indicações ligeiramente diferentes; é licenciado em casos de IAPTCs para adultos e para crianças com idade gestacional ≥34 semanas e idade pós-natal ≥12 dias, e de PAC para adultos e crianças com idade ≥2 meses.

A eficácia potencial dos regimes foi demonstrada pela evidência de que a ceftarolina foi considerada não inferior à vancomicina associada à aztreonam no tratamento de várias IAPTCs e à ceftriaxona para o tratamento da PAC. Em relação às infecções agudas de pele e tecidos moles, as taxas de cura clínica em dois estudos randomizados, duplo-cegos e multicêntricos foram semelhantes nos grupos CET e comparador, inclusive nos casos devidos a infecções por S. aureus resistente (MRSA) e suscetível (MSSA) à meticilina. Para PAC, as taxas de cura agrupadas mostradas em dois estudos randomizados, duplo-cegos e multicêntricos foram de 84,3% vs. 77,7% nos grupos CET e comparador, respectivamente.

  • Glicopeptídeos

De forma geral, os antibióticos glicopeptídeos têm atividade contra bactérias gram-positivas aeróbias e anaeróbias. Os principais representantes desta classe são a vancomicina e a teicoplanina, que continuam sendo os medicamentos de escolha para o tratamento de infecções graves comprovadas ou suspeitas por MRSA. No entanto, devido a preocupações em relação à toxicidade renal, resistência adquirida e desafios de administração, novos antibióticos precisavam ser desenvolvidos, e com isso surgiu os lipoglicopepetídeos. Estes são derivados diretos da vancomicina e teicoplanina, mas com atividade antibacteriana melhorada e, pelo menos em alguns casos, propriedades farmacocinéticas mais favoráveis. Entre eles, telavancina (TE), oritavancina (ORI) e dalbavancina (DA).  Estudos in vitro mostraram que todos esses medicamentos são significativamente mais eficazes do que vancomicina contra MSSA e MRSA.

A FDA e a EMA licenciaram ORI e DA para o tratamento de pacientes adultos com IAPTCs complicadas causadas por isolados suscetíveis de bactérias Gram-positivas, incluindo MSSA e MRSA. TE é licenciado para uso em adultos com IAPTCs e PAH/PAVM, no entanto, foi retirado do mercado europeu após uma autorização prévia para uso em crianças desde o nascimento.

Vários estudos avaliaram esses antibióticos em pacientes com IAPTCs complicadas, com a maioria evidenciando que eles não eram inferiores às alternativas tradicionais, como a vancomicina. No caso de MRSA, 90,6% dos pacientes tratados com TE e 84,4% do grupo controle foram curados (IC de 95% para a diferença, -1,1% a 9,3%). A eficácia do TE para o tratamento de PAH foi avaliada por dois ensaios idênticos, duplo-cegos e controlados comparando este medicamento com vancomicina. Ambos demonstraram que as taxas de cura foram semelhantes. A segurança e tolerabilidade de DA e ORI foram geralmente boas. Os eventos adversos foram geralmente leves e transitórios e incluíram reações no local da injeção, rubor, urticária, prurido e náuseas/vômitos.

Uma meta-análise do uso da DA em IAPTCs, incluindo casos tratados com duas doses ou com dose única, revelou que, em comparação com o tratamento tradicional, a eficácia clínica desse antibiótico foi bastante semelhante, independentemente do esquema utilizado. A eficácia da dabavancina em pacientes com infecções por Gram-positivos, incluindo S. aureus, foi confirmada por uma meta-análise na qual, juntamente com estudos que incluíram pacientes com IAPTCs, foram incluídos pacientes com infecções da corrente sanguínea relacionadas à cateter e osteomielite. No estudo, foi evidenciada a superioridade da DA em comparação ao tratamento padrão para essas condições.

Estudos em pacientes com IAPTCs mostraram a não inferioridade da ORI em comparação com a vancomicina. A simplificação da terapia com DA e ORI torna esses medicamentos a melhor solução para o tratamento de infecções agudas da pele e tecidos moles no ambulatório e pronto-socorro. Além disso, em comparação com alternativas antibióticas como a vancomicina, esses nossos fármacos permitem vantagens econômicas significativas, principalmente devido à redução na duração do tratamento.

  • Oxazolidinonas

Essa é uma nova classe de antibióticos sintéticos, eficazes tanto por via oral quanto intravenosa contra bactérias Gram-positivas multirresistentes, incluindo Enterococcus resistentes a MRSA e a vancomicina. Além disso, a maioria das cepas de Mycobacterium tuberculosis são sensíveis à essa classe farmacológica. O primeiro fármaco da classe a ser licenciado foi a linezolida, no entanto, devido às resistências adquiridas além dos problemas das características farmacocinéticas e de toxicidade, novas substâncias precisavam ser desenvolvidas.

Com isso, a tedizolida (TD), segunda oxazolidona licenciada pela FDA e pela EMA para uso em adultos no tratamento de IAPTCs causadas por bactérias suscetíveis designadas. É ativa in vitro contra quase todos os isolados de MRSA, incluindo resistentes à linezolida. Uma meta-análise dos estudos publicados até dezembro de 2017, avaliando a atividade in vitro do fármaco contra 10.119 cepas de MRSA, mostrou uma prevalência combinada de suscetibilidade de 99,6%. Além disso, a TD apresentou propriedades farmacocinéticas mais favoráveis, quando comparado à linezolida, que permitem a administração uma vez ao dia em adultos e crianças com mais de 2 anos de idade. Além disso, apresentou melhor tolerabilidade e segurança.

O impacto da TD nas IAPTCs foi definido por uma metanálise publicada de quatro estudos que mostraram que, em adultos, o fármaco não era inferior à linezolida. Um total de 2.056 pacientes adultos foram incluídos. As taxas de resposta clínica precoce foram de 79,6% e 80,5% para pacientes recebendo TD e linezolida, respectivamente.

  • Tetraciclinas

Recentemente, novas tetraciclinas capazes de superar mecanismos comuns de resistência, como efluxo e modificações ribossômicas, foram desenvolvidas. O primeiro fármaco foi a tigeciclina, uma droga que se mostrou eficaz contra a maioria das bactérias Gram-positivas, incluindo MRSA, vários bastonetes Gram-negativos importantes e bactérias atípicas. No entanto, seu uso generalizado foi desencorajado devido às limitações na biodisponibilidade, segurança e tolerabilidade.

A possibilidade de superar essas limitações explicou o interesse por novos antibióticos, como a omadaciclina (OM). Esse fármaco demonstrou-se ser extremamente eficaz contra bactérias Gram-positivas, incluindo MRSA, Streptococcus pneumoniae resistente à penicilina e Enterococcus spp resistente à vancomicina. O fármaco também é ativo contra patógenos que são importantes em infecções do trato respiratório adquiridas na comunidade, incluindo Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis. A FDA licenciou a OM para o tratamento de IAPTCs e PAC; no entanto, ainda, a droga não é licenciada na Europa.

A licença dos EUA foi baseada em dois estudos em pacientes com infecções agudas de pele e tecidos moles e um estudo em pneumonia adquirida na comunidade. Nos que analisaram em pacientes com IAPTCs, a OM foi comparado à linezolida. E, em ambos, a OM não foi inferior ao tratamento padrão em termos de resposta precoce ou pós-tratamento, independentemente do tipo de infecção e do patógeno de base, incluindo casos devidos a MRSA.

Na PAC, a OM não foi inferior ao moxifloxacino. A resposta clínica precoce, definida como melhora dos sintomas 72–120 h após a primeira dose do medicamento, sem uso de antibióticos de resgate e sobrevida do paciente, foi alcançada em 81,1% vs. 82,7% dos pacientes. Resultados semelhantes foram obtidos quando a eficácia pós-tratamento foi avaliada. No estudo, a tolerabilidade também foi boa, com apenas alguns pacientes relatando diarreia.

  • Quinolonas

Geralmente, as quinolonas, incluindo as fluoroquinolonas, têm baixa atividade contra S. aureus, particularmente MRSA. Além disso, com o uso, surgiu resistência a outras bactérias previamente sensíveis. Para superar esses problemas, foram feitas tentativas para desenvolver novas quinolonas com atividade antibacteriana melhorada.

O primeiro fármaco do grupo capaz de superar a resistência bacteriana foi a delafloxacina (DL). Essa tem atividade contra bacilos Gram-negativos e bactérias Gram-positivas, incluindo as MSSA e MRSA. Atualmente, a droga está licenciada nos EUA para o tratamento de IAPTCs e PAC e na Europa apenas para IAPTCs.

A eficácia da DL em IAPTCs foi demonstrada em dois grandes estudos randomizados, duplo-cegos, multinacionais de fase 3. A celulite, infecção de feridas, abscesso cutâneo grave e infecções por queimaduras foram as infecções mais comumente tratadas em ambos os ensaios. A DL foi comparada com a combinação de vancomicina e aztreonam em pacientes com características basais semelhantes. Os resultados mostraram a não inferioridade do DL em comparação com à associação.

Embora as quinolonas tenham sido autorizadas para uso em populações pediátricas selecionadas quando outros medicamentos que são eficazes contra o(s) patógeno(s) infeccioso(s) suposto(s) não estão disponíveis, o risco de que as crianças possam desenvolver distúrbios musculoesqueléticos graves quando tratadas com essa classe continua sendo uma limitação relevante para a execução de ensaios pediátricos com esses antibióticos.

Conclusão

O desenvolvimento de novos antibióticos antiestafilocócicos busca transpassar a questão da resistência bacteriana, proporcionando melhor atividade antimicrobiana e, pelo menos em certos casos, propriedades farmacocinéticas mais favoráveis, com maior segurança e tolerabilidade do que os medicamentos atualmente disponíveis. Esses novos medicamentos apresentam-se que como novas oportunidades terapêuticas, para superar a resistência à terapia tradicional.