Desde o início deste ano, 53 casos ocorreram em todo o país

Febre maculosa

Breve revisão sobre a patologia, diagnóstico e tratamento

Autor/a: Adriano PinterI, Cristina SabboII, et al.

Fuente: Informe Técnico sobre Febre Maculosa Brasileira

Introdução

A febre maculosa é uma doença transmitida pela picada do carrapato infectado com a bactéria do gênero Rickettsia. A transmissão ocorre quando o artrópode permanece aderido à pele do hospedeiro sugando seu sangue. No Brasil, há duas espécies de riquétsias: a Rickettsia rickettsii, considerada a mais letal, registrada em estados do Sudeste e no norte do Paraná, que causa doença grave; e a Rickettsia parkeri registrada em ambientes de Mata Atlântica no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia e Ceará, responsável por sintomas mais leves e moderados.

A doença causada por R. rickettsii pode se apresentar com dois perfis ecoepidemiológicos distintos. Em regiões de área de Mata Atlântica de altitude, a riquétsia é transmitida pelo carrapato Amblyomma aureolatum. Nessa região, não se observa uma sazonalidade definida, a infecção frequentemente ocorre dentro do domicílio e há importante acometimento de crianças pequenas. Por outro lado, em áreas silvestres, a febre maculosa está associada ao carrapato Amblyomma sculptum, popularmente chamado “carrapato-estrela”. A sua transmissão geralmente ocorre pelas formas imaturas do carrapato, que predominam nos meses mais frios, determinando a sazonalidade da doença.

Os carrapatos podem já nascer infectados com riquétsias ou serem infectados ainda na fase de larva ou ninfa, perpetuando a doença ao longo do seu ciclo de vida. Se durante este período um carrapato infectado picar um humano, transmitirá a bactéria através da saliva. Os carrapatos imaturos, conhecidos como micuins, são os responsáveis pela maioria dos casos de transmissão da febre maculosa em humanos. Isso ocorre porque, por serem muito pequenos, às vezes não são percebidos na pele e permanecem sugando sangue humano por horas ou dias, tempo suficiente para a bactéria atingir a corrente sanguínea e ocorrer a transmissão.

Quadro clínico

> Rickettsia rickettsii

A doença apresenta como manifestações clínicas iniciais: febre elevada, mialgia e cefaleia. O exantema (importante sinal clínico diagnóstico) ocorre em 60 a 70% dos casos, mais frequentemente entre o terceiro e quinto dia após o início da febre. Geralmente, o exantema, de padrão maculopapular, começa nas extremidades, punhos e tornozelos, disseminando-se posteriormente com padrão centrípeto para todo o corpo, incluindo tronco e face. Com a progressão da doença, o exantema, inicialmente maculopapular, evolui para padrão petequial, com potencial ocorrência de equimoses e sufusões hemorrágicas. No entanto, há formas atípicas, notadamente quando há rápida evolução para manifestações graves sistêmicas, em que o exantema pode não estar presente. Muitas vezes a hipótese diagnóstica só é feita depois do aparecimento do exantema, o que implica em reconhecimento e início de tratamento tardios, contribuindo dessa maneira para maior potencial de letalidade.

Outras manifestações bastante frequentes são o edema de mãos e pés, que pode se generalizar, diarreia e vômitos.

A doença causa sepse com hipotensão e choque, icterícia, insuficiência respiratória aguda e comprometimento pulmonar, comprometimento renal com insuficiência renal aguda, diátese hemorrágica, comprometimento neurológico (com meningite e/ou encefalite). Essas alterações são marcadores de gravidade e mau prognóstico, incluindo óbito.

As sequelas, quando ocorrem, são neurológicas e/ou decorrentes de alterações vasculares importantes, que podem levar a necrose (principalmente de extremidades) e, em alguns casos, necessidade de amputação ou enxerto.

Nos casos que evoluem para óbito, este geralmente ocorre entre o quinto e o décimo quinto dia após o início dos sintomas

A suspeição é bastante difícil no início dos sintomas, devido a inespecificidade das manifestações clínicas na fase inicial.

> Rickettsia parkeri

Considera-se que a febre maculosa por R. parkeri, via de regra, não evolua para óbito. Também não são observados os sinais e sintomas que indicam maior gravidade, como petéquias, necrose de extremidades, manifestações neurológicas, acometimento pulmonar, alterações cardiovasculares e disfunção renal. Existem relatos de ocorrência de exantema, mas sem caracterização típica. Além disso, são raros os casos que demandam internação e não há relato de óbitos decorrentes da infecção.

Exames laboratoriais

> Exames inespecíficos

Alguns resultados de exames laboratoriais podem ser observados e, em algum grau, contribuir para o diagnóstico clínico da febre maculosa causado por R. rickettsii. No entanto, os achados laboratoriais, mesmo nas formas mais graves da doença, são considerados inespecíficos e são frequentemente observados em pacientes acometidos por outras doenças e agravos.

Quadro 1: Exames laboratoriais inespecíficos na febre maculosa brasileira. Fonte: A Febre Maculosa Brasileira na Região Metropolitana de São Paulo. Boletim Epidemiológico Paulista (BEPA) Volume 13, nº 151 de julho de 2016

Vale ressaltar que nenhum dos exames laboratoriais inespecíficos permitem confirmar a hipótese diagnóstica de febre maculosa. Para essa finalidade são necessários exames específicos para detecção da infecção pelas riquétsias.

> Exames específicos

Os resultados dos exames sorológicos específicos apresentados a seguir não diferenciam a infecção por R. rickettsii daquela causada por R. parkeri.

  • Reação de imunofluorescência indireta (RIFI)

É o método considerado “padrão ouro” para o diagnóstico sorológico das riquetsioses e o único disponível para confirmação de casos que não evoluíram de forma extremamente grave ou óbito.

A confirmação diagnóstica se baseia na detecção de anticorpos IgG com aumento de quatro vezes o título (ou duas vezes na diluição) entre duas amostras pareadas, sendo a primeira coletada logo na suspeita e a segunda, depois de 14 dias ou mais.

Uma vez que a soroconversão, em alguns pacientes, pode ocorrer mais tardiamente, é fortemente recomendado que se realize coleta de uma terceira amostra (14 dias após a segunda) nos casos em que a clínica e a epidemiologia sejam compatíveis com febre maculosa e os resultados laboratoriais indiquem produção de anticorpos anti-riquétsia, mas sem o aumento esperado entre as duas amostras.

  • Imuno-histoquímica (IHQ)

É um método de detecção de antígenos de riquétsias presentes em células endoteliais de amostras de tecido fixadas em formalina 10% e incluídas em parafina. O resultado positivo indica presença de antígenos de riquétsia do grupo da febre maculosa e a interpretação deve ser feita dentro do contexto clínico-epidemiológico do caso.

Essa reação pode ser realizada em tecidos obtidos nas fases iniciais da doença (por biópsia) ou em casos fatais (material de necropsia ou de biópsia postmortem). Apresenta alta especificidade e sensibilidade para diagnóstico de riquetsiose.

  • Reação em cadeia de polimerase (PCR)

É um método baseado na deteção do DNA da riquétsia em amostras de soro e/ ou coágulo sanguíneo e/ou fragmento de pele de paciente. A riquétsia é uma bactéria intracelular obrigatória e normalmente não está presente no soro dos pacientes. Por isso, resultados negativos não afastam a hipótese diagnóstica. Para se obter maior sensibilidade, só é realizado, na rotina, a partir de amostras biológicas obtidas de casos que evoluíram para óbito, quando lesões celulares graves proporcionam a liberação de riquétsias na corrente sanguínea.

Tratamento

O tratamento deve ser sempre instituído o mais precocemente possível para todos os casos, sendo tal precocidade imprescindível para redução da morbiletalidade potencialmente relacionada à infecção por R. rickettsii.

A terapêutica antibiótica específica, quando instituída precocemente, é altamente eficaz, levando à regressão da febre após 24 a 72 horas do início do tratamento. Em princípio, o antimicrobiano poderá ser descontinuado após 2 ou 3 dias do desaparecimento da febre, mas, em geral, o período de tratamento é de 7 dias.

A doxiciclina é o antimicrobiano de escolha para o tratamento de todo caso suspeito de febre maculosa, independentemente da gravidade ou da faixa etária. O cloranfenicol é considerado segunda opção, podendo ser usado como antimicrobiano alternativo na falta de doxiciclina ou em caso de intolerância incontornável. Embora normalmente cloranfenicol e doxiciclina sejam contraindicados para gestantes, o potencial de gravidade da febre maculosa justifica sua utilização para casos suspeitos da doença nesse grupo de pacientes.

Quadro 2: Tratamento recomendado na febre maculosa. Fonte: A Febre Maculosa Brasileira na Região Metropolitana de São Paulo. Boletim Epidemiológico Paulista (BEPA) Volume 13, nº 151 de julho de 2016.

Profilaxia

Não há profilaxia recomendada a pessoas que frequentaram áreas endêmicas, mesmo em situações em que houve parasitismo por carrapatos. Em tais situações de exposição, a orientação é monitorar o eventual aparecimento de sintomas (ainda que febre isolada) dentro de um período de 14 dias após a possível exposição. Caso apareçam sinais ou sintomas, a pessoa deve procurar o médico e informar sobre a exposição, o que poderá contribuir para a suspeita diagnóstica precoce e início de tratamento antimicrobiano específico em tempo oportuno.

Medidas recomendadas

É importante destacar que não existe possibilidade de eliminação e muito menos erradicação da febre maculosa. Os objetivos da vigilância epidemiológica são:

  • Reduzir letalidade, com divulgação e orientação sobre a doença. O diagnóstico precoce (antes do quarto dia) é fundamental para que a antibioticoterapia seja efetiva e a suspeição é dificultada pela ausência de sinais e sintomas característicos iniciais, pela inexistência de um exame que possa levar à confirmação imediata e pela presença de outras doenças mais conhecidas e frequentes e que provocam sintomas similares. Portanto, os dados epidemiológicos são de fundamental importância para que seja feita a suspeita diagnóstica e o tratamento precoce.
  • Reduzir danos, agindo conforme as características de cada local. Isso significa promover um trabalho educativo nas regiões onde a doença ocorre, instalar alertas com placas locais e informações por meio dos diversos meios de comunicação e programar eventos que chamem a atenção para a doença.
  • Reduzir focos, evitando que se estabeleçam situações propícias à transmissão da doença. Em regiões onde a epidemiologia da doença está relacionada às áreas com presença de capivaras, deve-se evitar locais que servem de abrigo e fonte de alimento para estes animais, como lagos artificiais em condomínios ou áreas de lazer das cidades, por exemplo. Nas regiões onde a epidemiologia da doença envolve os animais domésticos (cães e gatos), é importante desenvolver ações voltadas à guarda responsável de animais domésticos, visando evitar que estes animais adentrem as áreas de mata e carreguem carrapatos para o interior das residências.