A depressão pós-parto (DPP) é um transtorno psiquiátrico debilitante caracterizado por uma alta prevalência mundial e resultados negativos a longo prazo tanto para as mães quanto seus filhos. As causas podem ser semelhantes à depressão maior e incluem exposição ao estresse, frequentemente relacionado ao período perinatal (por exemplo, diabetes gestacional, cesariana, parto prematuro, gravidez na adolescência, falta de apoio social, distúrbios do sono e multiparidade).
A DPP é caracterizada pelo surgimento, durante o período pós-parto, de pelo menos um dos sintomas centrais da depressão (humor deprimido e anedonia) acompanhado de pelo menos cinco outros sintomas, incluindo perda de peso, distúrbios do sono (insônia ou hipersonia), alterações psicomotoras (agitação ou retardo), fadiga, sentimentos de inutilidade ou culpa, concentração prejudicada e pensamentos ou ideações suicidas recorrentes, por um período contínuo de pelo menos 2 semanas e que pode durar meses e até anos.
Por muitas décadas, não havia terapia farmacológica específica aprovada para o tratamento da DPP. O tratamento de primeira linha para esta condição incluía antidepressivos usados no tratamento do transtorno depressivo maior, como os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs). Embora comprovadamente eficazes, esses levam várias semanas para resposta farmacológica e a taxa de resposta raramente excede 50%. Considerando que as consequências graves da DPP podem ocorrer de forma abrupta, a resolução rápida dos sintomas é altamente desejada. Felizmente, a partir de 2019, o antidepressivo de ação rápida brexanolona (comercializado como ZulressoTM) recebeu aprovação da Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos para o tratamento de DPP após mostrar efeito antidepressivo rápido e duradouro.
Brexanolona é uma formulação intravenosa (IV) da alopregnanolona. Dado seus efeitos pleiotrópicos, sua aprovação para o tratamento da DPP gerou elevado interesse na pesquisa de medicamentos e no desenvolvimento de uma nova classe terapêutica.
Plasticidade dos Neuroesteróides e receptores de GABAA na DPP
Geralmente, a DPPé associada com alterações no funcionamento do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), mas pouco se sabe do envolvimento de estruturas cerebrais, ou outros mecanismos subjacentes a estas alterações. Uma hipótese fundamental é que o estresse inerente ao período puerperal, vulnerabilidade individual e, principalmente, as alterações hormonais decorrentes do final da gravidez desempenham um importante papel causal nas alterações do eixo HHA e na incidência da DPP. A sinalização GABAérgica modulada por neuroesteróides, incluindo alopregnanolona, pode desempenhar um papel em algumas manifestações desse distúrbio. A substância também desempenha um papel fisiológico fundamental, protegendo o cérebro materno e fetal de níveis nocivos de glicocorticoides maternos resultantes da exposição ao estresse durante a gravidez e previne a secreção prematura de ocitocina associada ao parto prematuro. A alopregnanolona também é neuro protetora e promove o desenvolvimento do cérebro fetal.
A biossíntese de alopregnanolona e seu isômero, pregnanolona, foi associada ao surgimento de transtornos depressivos e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Essas substâncias demonstraram notáveis efeitos ansiolíticos e antidepressivos, tanto em humanos quanto em modelos pré-clínicos. Estudos relataram que tanto o líquido cefalorraquidiano (LCR) quanto os níveis séricos de alopregnanolona estavam diminuídos em pacientes deprimidos e poderiam ser regulados positivamente pelo tratamento antidepressivo ISRS. Especificamente, a concentração de alopregnanolona no LCR correlacionou-se com a gravidade dos sintomas depressivos.
Há poucas investigações sobre os mecanismos neurobiológicos subjacentes aos preditores comportamentais da DPP durante a gravidez e o período pós-parto. Embora seja um transtorno caracterizado por um fenótipo distinto da depressão maior, a DPP também é caracterizada por alterações no receptor GABAA, incluindo expressão alterada das subunidades do receptor e biossíntese de neuroesteróides prejudicada. No entanto, a supressão transitória do hormônio liberador de corticotrofina (CRH) hipotalâmico pós-parto, em conjunto com a retirada de esteroides após o parto, é muitas vezes comparado com a instabilidade afetiva observada durante o período pós-parto. Mesmo que haja um coincidente de declínio abrupto de neuroesteróides - incluindo progesterona e alopregnanolona - após o parto e o início dos sintomas da DPP, investigações que tentaram demonstrar níveis mais baixos de alopregnanolona no período pós-parto em mulheres com DPP muitas vezes produziram resultados mistos.
Luís e colaboradores (2000) investigaram as concentrações de alopregnanolona e progesterona no soro materno e no cordão umbilical por radioimunoensaio (RIA). Suas concentrações aumentaram durante todo o período de gestação. No parto, seus níveis séricos foram significativamente mais baixos em mulheres que realizaram cesariana de emergência. No soro do cordão umbilical seus níveis também foram reduzidos nestes casos. Curiosamente, em mulheres com hipertensão crônica, a concentração da alopregnanolona sérica aumentou significativamente quando comparada com mulheres saudáveis.
Em outro estudo realizado em voluntárias saudáveis com escores psicológicos baixos e altos avaliados pela escala psicométrica SCL-90, neuroesteróides também foram medidos por RIA durante a fase folicular (FP), fase lútea (LP) e em quatro momentos durante a gravidez. Os níveis de progesterona e alopregnanolona foram maiores na LP do que na FP e eles aumentaram com a progressão da gravidez, no entanto, sem diferenças entre os grupos de score psicológico altos e baixos. Além disso, os níveis plasmáticos periparto de esteróides neuroativos e GABA foram quantificados por cromatografia líquida-espectrometria de massa (LC-MS) em mulheres saudáveis e em risco de DPP estabelecido por uma história prévia de depressão ou ansiedade. Os níveis de GABA periparto foram mais baixos e os de progesterona e pregnanolona foram maiores em mulheres em risco de DPP versus saudáveis.
Em um estudo prospectivo, caso-controle de mulheres de cor de baixa renda no início da gravidez, Wenzel e colaboradores (2021) examinaram as concentrações de progesterona, alopregnanolona e pregnanolona e de seus isômeros, que atuam como moduladores alostéricos negativos do receptor GABAA. Casos de depressão pré-natal mostraram proporções mais altas de alopregnanolona e pregnanolona em comparação com os controles. Mulheres com depressão no primeiro e segundo trimestres demonstraram um aumento nas proporções de epipregnanolona em comparação com a progesterona, enquanto os controles apresentarem uma diminuição desses índices. A isoalopregnanolona teve sua concentração aumentada apenas no segundo trimestre. Embora associado com o aumento dos níveis de alopregnanolona, o aumento dos seus isômeros com função antagônica no GABAA receptores é intrigante e merece uma investigação mais aprofundada.
Em contraste com essas investigações, outros estudos observaram níveis mais baixos de alopregnanolona em associação com sintomas de ansiedade e depressão. Os níveis desta substância foram examinados por ELISA no segundo e terceiro trimestres e na 6ª semana pós-parto em mulheres com histórico de transtornos de humor e/ou ansiedade e controles saudáveis. Níveis mais baixos de alopregnanolona no período pós-parto foram associados a maior depressão e escores de ansiedade. Essa descoberta sugeriu que a relação entre alopregnanolona e os sintomas de humor e ansiedade podem mudar ao longo do periparto. Outro estudo sugeriu que os níveis de progesterona, alopregnanolona e pregnanolona no segundo trimestre da gravidez estão inversamente relacionados a sintomas emocionais negativos e os desafios de estresse agudo parecem reduzir estes esteroides para promover uma resposta emocional negativa.
Esses estudos sugeriram que, embora a administração exógena de alopregnanolona seja um método de tratamento eficaz para aliviar os sintomas da DPP, a compreensão dos mecanismos que ligam os níveis de neuroesteróides com o início de os sintomas permanecem indefinidos.
Alterações na expressão da subunidade do receptor GABAA foram demonstradas durante condições de estresse prolongado e na fisiopatologia da DPP em estudos pré-clínicos e clínicos. Nas células mononucleares do sangue periférico, a expressão de δ e das subunidades ρ2 foram reguladas positivamente durante a gravidez em um estudo clínico. Maguire e Mody (2008) observaram uma diminuição das subunidades δ e γ2 em um modelo de camundongo de DPP, que resultou em diminuição da inibição tônica e física. Especificamente, a mudança da expressão da subunidade δ foi associada com fenótipos do tipo depressivo. Esse estudo sugeriu que o comprometimento dinâmico da reconfiguração de subtipos de subunidades do receptor GABAA, sua sensibilidade aos neuroesteróides e a biossíntese desses esteroides merecem mais investigações.
Os efeitos da alopregnanolona no tratamento da depressão pós-parto
Diversos ensaios clínicos testaram a hipótese de que a suplementação da alopregnanolona IV poderia oferecer uma estratégia para melhorar a DPP
em comparação com o placebo. Quatro ensaios clínicos avaliaram a eficácia da brexanolona infundida durante 60 h em mulheres recrutadas entre 6 semanas e 6 meses após o parto. Em um ensaio clínico aberto, quatro mulheres que desenvolveram DPP grave receberam infusões de 60 mcg de brexanolona. A segurança, eficácia e tolerabilidade avaliadas por este estudo mostraram que todas as pacientes foram capazes de completar as infusões, e após 60 h, os sintomas de depressão diminuíram drasticamente. Dentre os efeitos adversos, foram relatados sedação, dor, erupção cutânea, tontura e rubor.
O custo elevado também contribuiu a uma importante limitação do tratamento com brexanolona IV, e uma formulação oral de alopregnanolona poderia reduzir o custo do medicamento e evitar hospitalização necessária durante a administração IV. Na fase 3, um ensaio clínico duplo-cego, randomizado, ambulatorial, controlado por placebo, uma formulação oral de alopregnanolona 30 mg administrada por duas semanas foi investigado em mulheres com DPP (49). Os resultados demonstraram uma melhoria significativamente da escala de classificação de depressão de Hamilton (HAMD-17) três dias após a administração, e este efeito foi mantido durante o período do tratamento.
Embora ainda seja necessário compreender melhor os mecanismos por trás da DPP, esses estudos forneceram forte suporte para a biossíntese de alopregnanolona e distúrbios na sensibilidade do receptor GABAA na fisiopatologia subjacente da doença e suporte para o desenvolvimento de um tratamento baseado em neuroesteróides para rápida melhora dos transtornos de humor.