Prática clínica

Ultrassonografia dos dispositivos intrauterinos

Os problemas associados ao mau posicionamento dos dispositivos incluem expulsão, deslocamento, incorporação e perfuração.

Autor/a: Kristina M. Nowitzki, Matthew L. Hoimes, Byron Chen, Larry Z. Zheng, Young H. Kim

Fuente: Ultrasonography of intrauterine devices

Introdução

O dispositivo intrauterino (DIU) está ganhando popularidade como forma reversível de contracepção. Atualmente mais de 168 milhões de usuárias fazem uso deste método. A ultrassonografia serve como imagem de primeira linha para a avaliação da posição do DIU em pacientes com dor pélvica, sangramento anormal ou cordas de recuperação ausentes. A revisão desenvolvida por Nowitzki (2015) destacou a importância da imagem para determinar o posicionamento do DIU e seu gerenciamento. Os problemas associados ao mau posicionamento dos dispositivos incluem expulsão, deslocamento, incorporação e perfuração. O gerenciamento depende da gravidade do mau posicionamento e da presença ou ausência de sintomas. A ultrassonografia tridimensional tem se mostrado mais sensível na avaliação de achados de mau posicionamento.

Tipos de DIU
  • DIU de cobre: é um pequeno dispositivo revestido por um fio de cobre em formato de T que é inserido dentro do útero. Desse modo, o dispositivo atua liberando íons de cobre, que aumentam a resposta inflamatória local de corpo estranho e interferem na mobilidade e viabilidade do esperma impedindo a fertilização. Esse dispositivo é aprovado para até 10 anos de uso.
  • DIU hormonal: é o sistema de liberação intrauterina de levonorgestrel. É um dispositivo plástico em forma de T que libera constante e regularmente pequenas quantidades hormônio progestágeno. A sua liberação leva ao espessamento e supressão do endométrio, bem como a inibição da ovulação em algumas mulheres. É aprovado para até 5 anos de uso, mas demonstrou manter a eficácia por pelo menos 7 anos. Devido à supressão endometrial, os DIUs com liberação de levonorgestrel também são aprovados para tratar o sangramento uterino anormal (SUA).
DIU e sua imagem

O DIU corretamente posicionado está localizado na cavidade uterina próximo ao fundo. A haste deve se estender em direção ao colo do útero e os dois braços devem ser totalmente desdobrados durante a inserção, alcançando lateralmente em direção aos cornos do uterinos

A ultrassonografia é o método mais comum para avaliação de pacientes com DIU devido ao seu custo-benefício, não emitir radiação e por fornecer melhores detalhes anatômicos. A haste, geralmente, é facilmente identificada em uma ultrassonografia transvaginal convencional (2D) (UTC) como uma estrutura ecogênica linear (Fig. 1A-D). Os braços do DIU de cobre são totalmente ecogênicos, os braços do DIU liberador de levonorgestrel são ecogênicos apenas nas extremidades proximais e distais, com característica central posterior de sombreamento acústico em imagens transversais (Fig. 1D). As reconstruções tridimensionais (1D) estão sendo cada vez mais usadas, o que permite uma avaliação mais cuidadosa do posicionamento do braço (Fig. 1E).

Fig. 1. Aspecto ultrassonográfico transvaginal dos dispositivos intrauterinos (DIUs). A, B. Ultrassonografias bidimensionais (2D) sagital (A) e transversal (B) demonstraram o DIU hiperecoico liberador de levonorgestrel no endométrio. C, D. Ultrassonografias sagitais 2D (C) e transversais (D) demonstraram o eco brilhante do DIU de cobre com sombra posterior marcada. (E) Ultrassonografia tridimensional demonstrou o DIU de cobre corretamente posicionado dentro da cavidade endometrial (setas). (Imagem adaptada de: Nowitzki et al., (2015)).

Quando não é possível visualizar o DIU na ultrassonografia pélvica, a radiografia abdominal pode ser usada para avaliar o posicionamento do DIU, pois são radiopacos. Neste exame, o posicionamento varia com as posições uterinas normais, mas o DIU deve estar localizado próximo a linha média baixa na pelve e orientada com os braços superiores à haste (Fig. 2A, B).

Quando há suspeitas de complicações, como perfurações ou abscessos, a tomografia computadorizada (TC) ou a ressonância magnética (RM) pode ser um adjuvante útil dado o seu maior campo de visão (Fig. 2C, D). No entanto, a associação da radiação com a TC e o custo da RM limitam sua utilidade como exames de imagem de primeira linha para avaliação do posicionamento do DIU.

Fig. 2. Aspecto radiográfico e tomográfico (TC) do dispositivo intrauterino (DIU). A, B. Para o DIU de cobre em um útero retrovertido (A) e o DIU liberador de levonorgestrel em um útero antevertido (B), apenas as radiografias pélvicas são inadequadas para localização precisa em relação à cavidade uterina devido às variações normais da posição uterina. C, D. Imagens de TC Coronal (C) e sagital (D) sem contraste demonstraram um DIU radiodenso corretamente posicionado dentro do fundo uterino. (Imagem adaptada de: Nowitzki et al., (2015)).

DIU mal posicionado

O DIU mal posicionado pode ser considerado um espectro de posicionamento anormal. Em uma extremidade do espectro está a completa “expulsão” através do orifício cervical externo. Na outra, está a “perfuração” completa através da serosa uterina com migração do dispositivo para o espaço intraperitoneal. Ao longo do espectro, é possível identificar o “deslocamento” do posicionamento adequado dentro do fundo no segmento uterino inferior ou colo do útero e “incorporação” de uma porção da haste ou dos braços no miométrio sem penetração da serosa. É importante notar que essas não são exclusivas, podendo ocorrer duas ou mais condições simultaneamente.

Em um estudo retrospectivo desenvolvido por Braaten e colaboradores (2011), foram observados dispositivos mal posicionados em 10,4% dos exames ultrassonográficos entre mulheres com DIU. Esses foram associados a sintomas de dor e sangramento excessivo, mas também podem ser assintomáticos. Suspeita-se clinicamente quando há encurtamento, alongamento ou ausência de cordas de recuperação no exame pélvico.

> Expulsão

O DIU expelido passou inferiormente, parcialmente ou completamente através do orifício cervical externo. O risco é maior no primeiro ano de uso e a taxa é considerada alta quando o DIU é colocado imediatamente após o parto vaginal.

Um estudo retrospectivo mostrou taxas de expulsão no primeiro ano de aproximadamente 6% para o DIU de cobre e 3% para o DIU hormonal. Essa pode ser gerenciada sem imagens quando o dispositivo expelido foi identificado. No entanto, em casos em que as cordas de recuperação estão ausentes sem testemunha do dispositivo expelido, a ultrassonografia pélvica deve ser realizada. Se não for possível identificar por este método, recomenda-se uma radiografia abdominal para excluir a perfuração e a migração intraperitoneal.

> Deslocamento

Deslocamento refere-se a qualquer DIU que sofre rotação da posição transversal local ou está localizado longe do fundo e dentro do segmento uterino inferior ou do colo do útero. Estudos iniciais definiram o deslocamento como uma distância de mais de 3 mm entre o DIU e o fundo uterino, que inicialmente se pensava estar associado com alto risco de expulsão. No entanto, estudos mais recentes mostraram que a maioria dos DIUs baixos se movem para uma posição uterina em poucos meses.

Existem casos isolados de gravidez intrauterina e gravidez ectópica rompida com DIU cervical deslocado. O DIU de cobre deslocado demonstrou ter eficácia diminuída, enquanto, um DIU hormonal deslocado apresentou-se ser igualmente eficaz em comparação com um bem posicionado. Um estudo evidenciou que pacientes que engravidaram com um DIU de cobre exibiram taxas significativamente altas de mau posicionamento em comparação com os controles não grávidas (64% vs. 11%).

É importante informar sobre o risco de gravidez, caso um DIU deslocado for removido e outra forma de contracepção não for implementada. Um estudo relatou um aumento de duas vezes na taxa de gravidez em pacientes com DIU mal posicionado, mas todos resultaram da remoção do dispositivo. Nenhuma gravidez ocorreu com um DIU deslocado in situ.

Devido a esse risco e às diferenças de eficácia, alguns pesquisadores defendem a remoção de DIUs de cobre deslocados, mas não de dispositivos hormonais em pacientes assintomáticas.

> Incorporação

A incorporação refere-se à penetração do miométrio do DIU sem extensão pela serosa. Quando a haste está envolvida, é possível visualizar pela ultrassonografia transvaginal convencional (2D) (UTC), mas em casos mais sutis de incorporação do braço, imagens de ultrassom coronal 3D permitem uma melhor detecção (Figs. 3,4). Acredita-se que a extensão para o miométrio ocorra no momento da inserção. Quando esses achados estão associados com sintomas de dor ou sangramento anormal, a remoção do DIU é recomendada. Muitas vezes, a incorporação ocorre em combinação com o deslocamento, o que também leva às mesmas decisões de gestão com base na eficácia como os discutidos anteriormente.

Fig. 3. Dispositivo intrauterino (DIU) incorporado em uma mulher de 24 anos com menorragia e tentativas malsucedidas de remoção do DIU. A. A ultrassonografia transvaginal sagital demonstrou o deslocamento inferior de um DIU de cobre dentro do colo do útero. B. A ultrassonografia transvaginal transversal do colo do útero mostrou os braços do DIU estendendo-se para a parede cervical (setas). C. A ultrassonografia coronal tridimensional demonstrou melhor a incorporação dos braços no miométrio (setas). (Imagem adaptada de: Nowitzki et al., (2015)).

Fig. 4 Dispositivo intrauterino (DIU) incorporado em uma mulher de 31 anos. A. A ultrassonografia transvaginal sagital demonstrou o DIU dentro do canal endometrial. B. Ultrassonografia coronal tridimensional mostrou o DIU inclinado obliquamente e incorporado no miométrio uterino esquerdo (seta). (Imagem adaptada de: Nowitzki et al., (2015)).

> Perfuração

O DIU perfurado pode penetrar através da serosa, seja parcialmente (Fig. 9) ou completamente com migração para a cavidade intraperitoneal (Fig. 10). Assim como na incorporação, a perfuração ocorre no momento da inserção. Estima-se que ocorra de um a dois casos em mil colocações e é mais frequente quando os operadores são inexperientes, quando a colocação ocorre posteriormente ao parto e em mulheres com poucas gestações ou múltiplos abortos.

Aderências que se formam como resultado de uma reação de corpo estranho ao DIU perfurado pode envolver as tubas uterinas e resultar na diminuição da fertilidade. Casos de perfuração completa raramente podem ser associados à lesão de estruturas adjacentes, na maioria das vezes o intestino. Se um DIU não puder ser identificado na ultrassonografia inicial, radiografias abdominais são necessárias. A gestão inclui remoção cirúrgica, que geralmente pode ser feita por laparoscopia.

Fig. 5. Dispositivo intrauterino (DIU) parcialmente perfurado em uma mulher de 43 anos com cordas de recuperação encurtadas. A. A ultrassonografia transvaginal sagital mostrou a haste se estendendo através do miométrio da parede posterior. B. A ultrassonografia Transvaginal transversa mostrou os braços estendendo-se para fora da serosa (setas). C, D. Imagens de ressonância magnética sagital da linha média (C) e lateral esquerda (D) demonstraram achados correlacionados do DIU de baixo sinal percorrendo o miométrio posterior (ponta de seta) com os braços estendidos através da serosa (setas). (Imagem adaptada de: Nowitzki et al., (2015)).


Fig. 6. Perfuração completa de dispositivo intrauterino (DIU) com migração intraperitoneal em uma mulher de 30 anos com as cordas de recuperação ausentes e dor abdominal no quadrante superior direito. A. A ultrassonografia transvaginal não conseguiu identificar um DIU dentro do útero ou colo do útero. B. Radiografia frontal do abdome e pelve mostrou o DIU no quadrante superior direito. C. Tomografia computadorizada (TC) com contraste foi solicitada para avaliar lesão intestinal dada a dor abdominal do paciente. A imagem coronal de TC demonstrou o DIU dentro do omento sem evidência de lesão intestinal. (Imagem adaptada de: Nowitzki et al., (2015)).

Complicações incomuns do DIU

> Fragmentação

Os DIUs podem, raramente, ser quebrados durante a expulsão ou remoção, incluindo as cordas utilizadas para remover o dispositivo (Fig.7). Poucos dados estão disponíveis sobre os efeitos a longo prazo de cordas de recuperação retidas ou pedaços de dispositivos. A aspiração manual a vácuo pode ser útil na remoção do DIU em casos de incorporação; caso contrário, a cirurgia pode ser necessária.

Fig. 7. Fio de recuperação de dispositivo intrauterino (DIU) retido em uma mulher de 24 anos com dor pélvica em cólica e histórico de remoção do DIU. A ultrassonografia transvaginal sagital (A) e transversal (B) do colo do útero demonstrou uma estrutura ecogênica linear parcialmente fragmentada (setas) ao longo da parede posterior do colo do útero. A paciente tinha um histórico de remoção de um DIU embutido com porções das cordas de recuperação deixadas no local. (Imagem adaptada de: Nowitzki et al., (2015)).

> Calcificação

Incrustação, a formação de depósitos de carbonato de cálcio sobre ou perto do DIU, é um fenômeno bem descrito que pode ser demonstrado como ecos irregulares ao redor dos ecos normais do DIU (Fig. 8). O motivo o qual esse processo ocorre ainda não é claro.

Fig. 8. Calcificações associadas ao dispositivo intrauterino (DIU) em uma mulher de 39 anos com dor pélvica e história de DIU liberador de levonorgestrel colocado há aproximadamente um ano. A. A ultrassonografia transvaginal sagital mostrou um DIU na linha média corretamente posicionado dentro da cavidade uterina. B, C. A ultrassonografia transvaginal sagital (B) e transversal (C) mostrou uma estrutura de sombra ecogênica grosseira (setas) dentro da cavidade endometrial adjacente ao DIU. D. A calcificação (seta) é vista fracamente perto do DIU em forma de T na tomografia computadorizada de reconstrução de projeção de intensidade máxima axial. (Imagem adaptada de: Nowitzki et al., (2015)).

> Mimetização

Ocasionalmente, estruturas intrauterinas ecogênicas lineares podem ser confundidas com DIU. Fragmentos ósseos fetais retidos são sequelas raras de abortos espontâneos ou induzidos. Os achados ultrassonográficos incluem estruturas de sombra ecogênica lineares ou angulares dentro da cavidade uterina ou miométrio. Na ausência de uma história clara, este achado pode ser mal interpretado como um DIU na ultrassonografia. Na verdade, acredita-se que a parte fetal retida aja como um DIU, causando infertilidade secundária. A metaplasia óssea endometrial é um fenômeno igualmente raro, com o desenvolvimento de um osso no endométrio, cuja patogênese é controversa. As teorias predominantes incluem o desenvolvimento de osso fetal retido ou verdadeira metaplasia do tecido endometrial secundária a inflamação. Isso também pode ser a causa de infertilidade secundária e ser confundido com um DIU.