Prática clínica

A correlação íntima entre deficiência de ferro, anemia e obesidade

Nas últimas décadas, a obesidade e, em particular, a infantil, tornou-se um problema mundial e pandêmico, afetando um terço das crianças pré-escolares nos países em desenvolvimento.

Autor/a: BJØRKLUND, Geir, et al.

Fuente: Iron deficiency in obesity and after bariatric surgery

Indice
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2. Referências Bibliográficas

Deficiência de ferro (DF) é o distúrbio nutricional mais comum no mundo.1 Aproximadamente cinco bilhões de pessoas podem sofrer de DF e, como cerca de dois bilhões são anêmicos, várias centenas de milhões manifestam anemia por DF (ADF).2

Esse distúrbio também está associado à diminuição capacidade de trabalho em adultos e desenvolvimento mental prejudicado em crianças.3

A Organização Mundial da Saúde define anemia para aqueles que vivem ao nível do mar como uma hemoglobina inferior a 130 g/l em homens, inferior a 120 g/l em mulheres com 15 anos ou mais, e inferior a 110 g/l em mulheres grávidas.4 A ferritina sérica é o indicador mais confiável de DF, na ausência de inflamação ou doença crônica, com níveis desse indicador abaixo de 15 ng/ml.5

Os sintomas clássicos incluem fadiga, fraqueza, irritabilidade, perda de cabelo e prejuízo na concentração (redução da atenção). Além disso, falta de ar ao esforço, palpitações, desconforto na língua, paladar, prurido, dores de cabeça e zumbido podem ocorrer. Ainda pode resultar em “pica”, ou seja, desejo por substâncias não nutritivas, como gelo ou terra. A DF por si só pode afetar cognição, desempenho no trabalho e capacidade para o trabalho.6

Nas últimas décadas, a obesidade e, em particular, a infantil, tornou-se um problema mundial e pandêmico, afetando um terço das crianças pré-escolares nos países em desenvolvimento. Ela decorre do acúmulo excessivo de tecido adiposo que pode ter efeitos na saúde. Além do aumento de tamanho dos adipócitos, eles também sofrem outras alterações funcionais de grande relevância a nível hormonal, inflamatório e endotelial. Particularmente, é intimamente relacionada ao desenvolvimento de diversas comorbidades, como fígado gorduroso não alcoólico, dislipidemia, diabetes mellitus tipo 2, doença cardiovascular não congênita, inflamação, anemia, entre outras.7,8

Ela tem sido associada a um estado de inflamação sistêmica de baixo grau caracterizado por uma resposta de fase aguda impulsionada pelo tecido adiposo, com produção de interleucinas (IL)-6, IL-1, IL-8 e fator de necrose tumoral (TNF) - desempenhando o maior papel e resultando em elevações subsequentes de proteínas de fase aguda como a proteína c-reativa (PCR).9

Estima-se que ambos os estados inflamatórios e oxidativos têm sido vinculados ao desenvolvimento de complicações associadas à obesidade. Com relação à ADF, descobriu-se que a doença influencia em cada etapa do seu metabolismo. Além disso, a implicação de cada uma na sua fisiopatologia tem sido estudada em modelos animais, tanto na relação com a obesidade adulta como infantil.7

Existe uma relação positiva entre vários parâmetros antropométricos de obesidade e níveis plasmáticos de IL-6, tendo sido descritos para homens e mulheres na pós-menopausa (estrogênios são conhecidos por inibir a secreção de IL-6).2

Nesse contexto, a inflamação nesses pacientes está intimamente relacionada com a DF e induz um prejuízo na absorção do Fe no duodeno decorrente da inibição da expressão duodenal de ferroportina e do aumento das concentrações de hepcidina (Hep).10

Mulheres com essa condição, portanto, podem estar em risco de deficiência de ferro e anemia ferropriva por meio de citocinas pró-inflamatórias advindas do tecido adiposo. A mesma eleva os níveis de Hep, resultando na redução da absorção de ferro e consequente produção de energia mitocondrial e celular, levando a mais inatividade e fadiga clinicamente significativas.6,11

Ainda nesse cenário, a DF é identificada em 58% dos obesos em pré-operatório. Já ADF é comum após a cirurgia bariátrica (CB) e pode ocorrer tanto pela menor de absorção de ferro (redução do ácido gástrico e exclusão do duodeno do canal alimentar) quanto decorrentee de sangramento por úlceras anastomóticas. A incidência de ADF pode chegar até 50% dos pacientes bariátricos, principalmente mulheres que ainda menstruam, e é maior no pós-operatório de cirurgias de bypass gástrico em Y de Roux (BGYR), atingindo 12% a 47%.12,13

Uma vez que a ADF tenha ocorrido, não é possível reverter essas alterações através do aumento da ingestão alimentar de forma isolada. O tratamento de primeira linha é a suplementação oral contendo ferro elementar necessário para sua reposição. Além disso, um importante componente do manejo da DF com ou sem anemia é investigar e tratar a(s) causa(s) subjacentes(s).No caso da terapia da obesidade, uma atuação moderna reconhece os determinantes multifatoriais do ganho de peso e os benefícios para a saúde derivados de sua perda. Fundamental para qualquer esforço de perda ponderal é a mudança de estilo de vida, dieta de alta qualidade com aderência factível, e aumento da atividade física em frequência, tempo e intensidade semanal adequadas. Aliado a isso, o gerenciamento de medicamentos que poderiam estar contribuindo para o ganho

Conclusão

A obesidade é um estado inflamatório sistêmico com repercussão hormonal e endotelial e, a acentuada inflamação no tecido adiposo desse perfil de paciente favorece a secreção de citocinas, como IL-6, o que resulta em um aumento da expressão de Hep dentre outras substâncias, que interferem no metabolismo do Fe. A Hep elevada leva a um subsequente comprometimento da absorção duodenal e utilização desse mineral, favorecendo à DF e ADF.

A DF implica em diferentes sintomas clínicos ou subclínicos que podem gerar prejuízo na qualidade de vida do paciente além de morbidades também relevantes.

Além da suplementação do ferro via oral, que é o padrão ouro da terapia, a identificação da causa subjacente é de fundamental importância para atingir o alvo terapêutico.

Portanto, o reconhecimento do papel da obesidade na fisiopatologia de uma das possíveis causas de anemia no paciente é crucial para um desfecho favorável.

No que concerne à terapia da obesidade, uma ação multidisciplinar, associada à múltiplas abordagens servem de ponte para alcançar o nível de peso desejável.