Diagnóstico

Rastreamento do câncer do colo do útero

Comparação entre os diferentes métodos disponíveis atualmente

Autor/a: Véronique Bouvard, Nicolas Wentzensen, et al.

Fuente: The IARC Perspective on Cervical Cancer Screening

Indice
1. Página 1
2. Referências Bibliográficas
Introdução

O câncer de colo do útero, apesar de prevenível, é uma das neoplasias mais frequentes em mulheres, com altas taxas de incidência e mortalidade. Sua evolução, geralmente, é lenta, passando por fases pré-clínicas detectáveis e curáveis. A prevenção se dá por medidas educativas, vacinação, rastreamento, diagnóstico e tratamento das lesões subclínicas.

A detecção precoce é uma estratégia para encontrar o tumor na fase inicial, possibilitando maior chance de tratamento. É feita por um processo multietapa que inclui triagem, confirmação na biópsia e tratamento de pacientes com lesões pré-cancerosas. No entanto, as taxas de detecção variam amplamente entre os países.  Os principais determinantes são status socioeconômico, grupo étnico, acesso aos serviços de saúde, seguro de saúde e nível de educação.

Embora saiba-se que a redução bem-sucedida na incidência de câncer pode ocorrer apenas com rastreamento e tratamento adequados de mulheres com triagem positiva, o objetivo da revisão de Bouvard e colaboradores (2021) foi avaliar os testes da triagem primária na redução da incidência de câncer do colo do útero e o risco de morte associada à doença.

Métodos de triagem
  • Citopatologia convencional

A citologia é eficaz e é amplamente utilizada. No entanto, é propensa a avaliação subjetiva e não apresenta reprodutibilidade. Diversos estudos compararam a incidência do câncer do colo do útero e mortalidade em mulheres que foram rastreadas com citopatologia convencional com pacientes que não foram.1,2,3 Os resultados demonstraram que o uso da análise citológica reduziu consistentemente a incidência e a mortalidade associada ao câncer do colo do útero.

  • Citologia em Base-Líquida

Estudos compararam a precisão da análise citológica convencional e em meio líquido.4-11 No geral, a segunda demonstrou uma sensibilidade semelhante ou superior para a detecção de neoplasia intraepitelial cervical (NIC) de grau 2 ou superior (NIC2+) e grau 3 ou superior (NIC3+). Ademais, na análise citológica convencional, aproximadamente 80% do material coletado fica preso à escova cervical, sendo desperdiçado, a citologia em meio líquido utiliza 100% do material coletado, possibilitando que em uma só coleta múltiplas análises sejam realizadas. Com isso, Bouvard e colaboradores (2021) concluíram que o rastreamento com citologia em meio líquido reduz a incidência e a mortalidade associada ao câncer do colo do útero e apresenta benefícios frente à citopatologia convencional.

  • Inspeção Visual com Ácido Acético

A inspeção visual com ácido acético (IVA) foi implementada em ambientes e países com recursos limitados aos cuidados de saúde devido ao seu baixo custo e baixos requisitos de infraestrutura. Ensaios de intervenção randomizados realizados na Índia avaliaram a eficácia da IVA em comparação com nenhuma triagem na redução da incidência ou mortalidade associada ao câncer do colo do útero.2,12,13 Em dois dos três ensaios, houve uma redução significativa na mortalidade em comparação com nenhum rastreamento após uma única rodada2,12 ou várias rodadas13 da inspeção visual com ácido acético. A redução da incidência de câncer do colo do útero após a triagem IVA foi observado em apenas um dos ensaios randomizados.12 Além disso, um estudo randomizado e controlado conduzido na África do Sul mostrou uma redução na detecção de NIC2+ 6 meses após a triagem por este método.14 Com base nesses resultados, Bouvard e colaboradores (2021) concluíram que a IVA é estabelecida para reduzir a mortalidade associada ao câncer do colo do útero e pode reduzir a incidência da doença.

  • Teste de DNA HPV

Sankaranarayanan e colaboradores (2009) avaliaram os efeitos benéficos entre mulheres que realizaram o teste DNA HPV de alto risco em comparação com nenhuma triagem na mortalidade associada ao câncer do colo de útero e mostrou que uma única rodada de triagem reduziu a mortalidade em quase metade2. Outros estudos disponíveis basearam-se na comparação do teste com análise citológica, IVA ou ambos. Demonstraram que o teste de DNA HPV foi mais eficaz na detecção do pré-câncer e na subsequente redução da incidência em comparação com outras abordagens. Com isso, Bouvard e colaboradores (2021) concluíram que o teste de DNA HPV foi o teste mais eficaz na redução da incidência e mortalidade associada ao câncer do colo do útero.

  • Citologia baseada na coloração de Romanowsky-Giemsa

Não há nenhum estudo comparativo sobre a precisão e eficácia na triagem do câncer do colo do útero. Dados sobre o desempenho de triagem de programas da União Soviética que adotam este método sugeriram baixa reprodutibilidade e baixa especificidade.15-17 Com isso, Bouvard e colaboradores (2021) concluíram que a triagem citológica baseada na coloração de Romanowsky-Giemsa não é classificável quanto à sua capacidade de reduzir a incidência ou a mortalidade por câncer do colo do útero.

Comparação entre os métodos de rastreamento
  • Teste de DNA de HPV versus citologia

A eficácia do Teste de DNA de HPV foi comparada com a da análise citológica em diversos estudos.18-27 No geral, o Teste de DNA de HPV foi mais sensível do que a análise citológica para a detecção de NIC2+ e foi associado a taxas de detecção reduzidas de NIC2+ em rodadas de triagem subsequentes e com maior redução da incidência de câncer do colo do útero do que a análise. Também, o teste de DNA de HPV apresentou algumas vantagens como intervalos maiores entre as triagens e a possibilidade de realização com amostras vaginas que as próprias pacientes coletam.

  • Teste de DNA de HPV versus IVA

A eficácia do teste de DNA do HPV em comparação com a IVA no rastreamento do câncer do colo do útero foi avaliada por diversos estudos.1,2,14,28-32 No geral, um número maior de lesões cervicais de alto grau (NIC2+, NIC3+ ou ambos) foram detectadas com teste de DNA do HPV. Em ensaios randomizados, esse método levou a maior redução nas taxas de detecção de NIC2+ em 6 meses14 e 36 meses28 e a uma maior redução do câncer do colo do útero em estágio II ou superior e na mortalidade associada ao câncer do colo do útero.1,33 Devido à alta variabilidade da IVA, a positividade do teste foi inconsistente entre os estudos, e os respectivos danos associados aos métodos não puderam ser comparado. Assim, o teste de DNA do HPV resultou em maiores benefícios do que IVA, e estes superam o potencial aumento em ambos resultados verdadeiros e falsos positivos. A inspeção visual com ácido acético apresenta outras limitações substanciais, como subjetividade, heterogeneidade e possíveis erros de classificação dos resultados.

  • Teste de DNA de HPV isolado em comparação com cotestagem

A eficácia comparativa do teste de DNA do HPV isolado e da cotestagem (teste de DNA do HPV com testes citológicos) foi avaliado em vários estudos.34-37 O método isolado demonstrou um aumento mínimo na sensibilidade e uma menor especificidade para a detecção de NIC2+ e NIC3+, o que levou a encaminhamentos para colposcopia e possível tratamento. A diferença na sensibilidade afetou poucos casos, o que sugeriu que o efeito do componente citológico da avaliação é muito limitado e que o efeito sobre a incidência de câncer não é claro.38 Os benefícios da cotestagem não superaram os riscos.

Balanço dos benefícios e danos

Os benefícios do rastreamento do câncer do colo do útero descritos acima precisam ser equilibrados com possíveis danos. Todos os métodos revisados ​​podem causar dor ou desconforto durante o exame ou coleta de amostra39, no entanto, o auto teste pode reduzir o desconforto.40 A triagem pode gerar ansiedade relacionada ao próprio procedimento, ao recebimento de resultados, e a qualquer diagnóstico e tratamento subsequente.

Um resultado positivo está associado ao aumento dos níveis de ansiedade e angústia e pode despertar preocupações sobre o câncer; também pode desencadear sentimentos de vergonha, principalmente depois de um resultado positivo do teste de HPV.41 Potenciais danos físicos associados aos procedimentos diagnósticos subsequentes e ao tratamento incluem riscos de sangramento, infecção e resultados obstétricos adversos.42 Testes com proporções mais altas de resultados falsos positivos estão associados a danos potenciais adicionais, como aumento de custos para os pacientes, perda de seguimento e perda de confiança no serviço.

Conclusão

Embora os atuais métodos utilizados no rastreio sejam eficazes na redução da incidência e a mortalidade associada ao câncer do colo do útero, o teste de HPV por si só é o mais eficaz dado o seu equilíbrio de benefícios e riscos.

A prevenção bem-sucedida do câncer do colo do útero está atrelada a sistemas de saúde que possam fornecer acompanhamento adequado, incluindo triagem quando necessária, tratamento adequado para mulheres com triagem positiva e ampliação da vacinação contra o HPV.