Avaliação linguística

Detecção automática de pessoas com Alzheimer

Pesquisadores argentinos e chilenos desenvolvem uma nova abordagem para identificar marcadores semânticos da doença

Autor/a: Adolfo M. García, Camila Sanz, Facundo Carrillo y Enzo Tagliazucchi

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2. Referências Bibliográficas

Se os olhos são as janelas da alma, talvez as palavras sejam as janelas da mente. Podemos facilmente deduzir o estado de espírito de uma pessoa pelos adjetivos que usa, sua idade pela sintaxe, seu nível de educação pelo vocabulário... No entanto, não é nada fácil detectar pistas linguísticas sobre suas possíveis alterações cerebrais.

Como saber, por meio da linguagem espontânea, se aquela pessoa tem a doença de Alzheimer (DA)? Certas pistas podem ser aparentes para profissionais altamente treinados, mas esses indivíduos constituem um grupo minúsculo quando comparados à população de pessoas com DA que atualmente ultrapassa 43 milhões e continua crescendo. Essa situação é, no mínimo, lamentável, pois, diferentemente de outras abordagens, as avaliações linguísticas representam um método acessível e não invasivo para contribuir com o diagnóstico clínico.

“E se pudéssemos desenvolver ferramentas para detectar essas pistas de forma objetiva e automática?” perguntou Adolfo García, Diretor do Centro de Neurociências Cognitivas da Universidade de San Andrés, Pesquisador do CONICET, Senior Atlantic Fellow do Global Brain Health Institute (Universidade de Califórnia, San Francisco) e Pesquisador do PIIECC na Faculdade de Humanidades da Universidade de Santiago do Chile.

Esse é o desafio que Garcia e sua equipe assumiram em um artigo publicado no Alzheimer's & Dementia: Diagnosis, Assessment & Disease Monitoring, um jornal da Alzheimer's Association (10.1002/dad2.12276). Os pesquisadores formaram um grupo de 21 pessoas com DA e dois grupos de controle, formados por 16 indivíduos saudáveis ​​e 18 pacientes com doença de Parkinson (DP). Todos os participantes eram falantes de espanhol, do Chile, e haviam sido diagnosticados por equipes profissionais multidisciplinares. Utilizando uma bateria original, eles foram registrados durante a realização de tarefas verbais cotidianas, como descrever sua rotina, recontar uma lembrança agradável, descrever um desenho e recontar um vídeo.

Além disso, examinaram a variabilidade semântica contínua, ou seja, a proximidade conceitual entre palavras sucessivas. “Por exemplo, as palavras apresentam maior proximidade conceitual no enunciado O cozinheiro estava na cozinha e pegou uma faca, do que no seu homólogo Alguém estava em um lugar e levou um... O que foi? Bem, alguma coisa”, acrescenta Facundo Carrillo, coautor e pesquisador do Laboratório de Inteligência Artificial Aplicada do Instituto de Pesquisa em Ciência da Computação, CONICET e da Universidade de Buenos Aires. "Até onde sabemos, esta é a primeira vez que esses fenômenos são capturados automaticamente na DA", acrescenta García.

“Esta descoberta faz parte de nossos esforços para estabelecer marcadores linguísticos precoces para várias doenças cerebrais”

Comparados com pessoas saudáveis, os indivíduos com DA apresentaram diferenças significativas em ambas as medidas. Em particular, seu discurso envolvia um maior uso de conceitos não específicos, um uso reduzido de conceitos específicos e um maior número de escolhas conceituais descontínuas (ou seja, menos proximidade conceitual).

Em contraste, essas métricas não produziram diferenças sistemáticas entre pessoas saudáveis ​​e indivíduos com DP. “Da mesma forma, usando algoritmos de aprendizado de máquina, mostramos que esses traços permitem uma discriminação robusta entre indivíduos com e sem DA, o que não acontece no caso de pacientes com DP”, diz Enzo Tagliazucchi, coautor e pesquisador do Latin American Brain Health Institute, Universidade de Buenos Aires e CONICET.

Este estudo sugere que certos aspectos bem estabelecidos da DA, até então aparentes apenas para especialistas selecionados, podem ser capturados com ferramentas automatizadas que não requerem treinamento médico especializado. “As tarefas verbais naturalistas contêm um fator invasivo mínimo e não requerem necessariamente um profissional para serem executadas.”

Essas tarefas, combinadas com algoritmos de processamento de linguagem, nos permitem criar um perfil de cada paciente de forma automática e objetiva”, afirma Camila Sanz, bolsista de doutorado do CONICET e primeira autora do trabalho. Não menos importante é a ausência desses resultados no grupo DP. De fato, outros aspectos linguísticos avaliados de forma mais sistemática na DA, como a fluência verbal, também são frequentemente afetados nessa outra condição, o que limita seu uso para diferenciar as duas doenças.

"Esta descoberta faz parte de nossos esforços para estabelecer marcadores linguísticos precoces para várias doenças cerebrais", explica García e acrescenta: "Estamos confiantes de que o trabalho abrirá novos caminhos para fortalecer os testes diagnósticos convencionais, superando as limitações do avaliações típicas, dependentes de especialistas”. Nesse sentido, a linguagem, em geral, e seu estudo interdisciplinar, em particular, podem ser fundamentais para otimizar as atuais abordagens diagnósticas em saúde cerebral.