Revisão

Manifestações cutâneas associadas a doenças sistêmicas - Parte II

Doenças metabólicas, cardiovasculares, renais, gastrointestinais e oncológicas

Autor/a: Leal et al.,

Fuente: Anais Brasileiros de Dermatologia, v. 96, n. 6, p. 672-687, 2021 Manifestações cutâneas associadas a doenças sistêmicas Parte II

Diabetes mellitus

Dentes as manifestações cutâneas do diabetes mellitus, pode-se citar:

  • Necobiose lipoídica: inicia‐se com pápulas eritematosas e evoluem lentamente para placa marrom‐amarelada com centro atrófico e telangiectasias.
  • Escleredema de Buschke: definida por deposição de colágeno e mucopolissacarídeos na derme, com espessamento da pele, rigidez e comprometimento da motilidade, principalmente nos ombros.
  • Bulose diabeticorum: bolhas serosas tensas sem sinais de inflamação cutânea e indolores.
  • Granuloma anular: pápulas normocrômicas a eritematosas, formando placas de conformação anular no dorso dos pés e mãos ou na superfície extensora de articulações (como o cotovelo).
  • Acantose nigricans: placas hiperpigmentadas intertriginosas.
  • Vitiligo.
  • Carotenodermia.
  • Líquen plano.
  • Colagenose reativa perfurante adquirida (rara).
  • Angiopatia diabética e doenças de pele associadas à neuropatia: síndrome do pé diabético, síndrome da mão diabética e dermopatia diabética.
  • Infecções cutâneas de infecções bacterianas e fúngicas: O Staphylococcus aureus pode causar piodermites (foliculite, abcessos e impetigo). Já os estreptococos estão associados a ectima, celulite e impetigo contagioso estreptocócico. A fasciíte necrosante é complicação rara da infecção por Streptococcus; porém, S. aureus ou bactérias anaeróbias podem estar envolvidas. A gangrena de Fournier é variante perineal ou genitoanal grave da fasciíte necrosante com elevada taxa de mortalidade. Mucormicose rinocerebral é doença grave, de alta mortalidade e associada à cetoacidose diabética. É causada, principalmente, por espécies do gênero Rhizopus, Rhizomucor e Lichtheimia, fungos oportunistas e angioinvasivos.
  • Complicações da terapia antidiabética: reações cutâneas causadas pela insulina ou induzidas por antidiabéticos orais.
  • Prurido
Tireopatias

Tabela 1: Resumo das manifestações cutâneas do hipo e hipertireoidismo. Tabela adaptada de Leal et al., 2021.

Dislipidemia

Tabela 2: Resumo das características clínicas dos xantomas. Tabela adaptada de Leal et al., 2021.

> Adrenal (suprarrenal)

  • Síndrome de Cushing: as manifestações cutâneas incluem face de lua, corcunda de búfalo na região dorso cervical, região cervical aumentada de diâmetro e curto, e exoftalmia. Além dessas, citam-se os hematomas espontâneos, cicatrização retardada de feridas, atrofia cutânea, striae distensae, hiperpigmentação, acantose nigricans, além de lesões acneiformes.
  • Doença de Addison/insuficiência adrenal primária: as principais manifestações são hiperpigmentação cutânea difusa, capilar e de mucosas. Também pode-se observar perda de pelos axilares e pubianos, além de bandas ungueais longitudinais hiperpigmentadas.
  • Feocromocitoma: rubor paroxístico mais proeminente na face, tórax e extremidades superiores.
Hiperpituitarismo

> Acromegalia

  • Macroglossia
  • Macroqueilia
  • Hiperplasia gengival
  • Características faciais grosseiras
  • Cutis verticis gyrata
  • Hiperpigmentação
  • Acantose nigricans
  • Hiperidrose
  • Hipertricose
  • Trocas de unhas
Hipopituitarismo

A pele e os tecidos subcutâneos tornam‐se finos, os pelos escassos e a pele pálida ou amarelada.

Doenças cardiovasculares

Não apresenta nenhuma doença própria que possa ter manifestações específicas na pele. Existem inúmeras enfermidades que desenvolvem manifestações cardíacas e cutâneas inespecíficas, que podem ser classificadas em genodermatoses com acometimento cutâneo e cardiovascular e sinais cutâneos de doenças sistêmicas inflamatórias ou neoplásicas com manifestações cardiovasculares.

Genodermatoses

  • Complexo de Carney: neoplasia endócrina múltipla familial, autossômica dominante que apresenta pigmentação cutânea e mucosa, mixomas cardíacos e cutâneos (e também mamários) e tumores endócrinos.
  • Síndrome LEOPARD: acrônimo de lentigos, alteração de condução eletrocardiográfica, hipertelorismo, estenose pulmonar, genitália anormal, retardo do crescimento e surdez sensorial.
  • Síndrome de Ehlers‐Danlos: defeitos da estrutura do colágeno V, levando à alteração da pele, articulações e parede dos vasos sanguíneos.
  • Pseudoxantoma elástico: caracterizada pela mineralização e degeneração das fibras elásticas, que levam a comprometimento cutâneo (placas amareladas pruriginosas na região cervical, axilar e outras flexuras), vascular e oftalmológico.
  • Hemocromatose hereditária: as principais manifestações cutâneas são hiperpigmentação acastanhada a acinzentada da pele com bronzeamento rápido à mínima exposição ao sol. Também são observados: atrofia e xerose ictiosiforme, queda de cabelos e coiloníquia, hiperpigmentação da mucosa oral, redução do esmalte dentário e da saliva.
  • Esclerose tuberosa: podem ocorrer angiofibromas faciais, fibromas periungueais e orais, placas fibróticas na região frontal, máculas hipocrômicas e “placas shagreen”.
  • Doença de Fabry: as manifestações dermatológicas se iniciam na infância, com acroparestesias e intolerância ao calor, acompanhados por náuseas, vômitos, dores abdominais e neuropáticas. Durante a vida, surgem os angioqueratomas e telangiectasias.
  • Amiloidose sistêmica: podem estar presentes macroglossia e púrpura periorbitária.

Doenças inflamatórias e neoplásicas

  • Febre reumática: apresenta manifestações cutâneas tipo eritema marginatum, ou seja, lesões em placas de bordas circinadas eritematosas não pruriginosas e centro claro e comprometimento articular migratório.
  • Síndrome carcinoide: manifesta‐se por dor abdominal, diarreia, flushing (face, pescoço e colo), telangiectasias e broncoespasmo devido à liberação de diversas substâncias por tumores neuroendócrinos metastáticos ou extra‐hepáticos.

Fenômenos tromboembólicos

Têm manifestações cutâneas que são as “pistas” para as hipóteses diagnósticas. As lesões geralmente se apresentam como petéquias, púrpuras retiformes e hemorragias em estilha. As possíveis causas são síndrome do anticorpo antifosfolipídio e outras coagulopatias. Êmbolos de colesterol podem se apresentar como livedo reticular, púrpura retiforme e eosinofilia. Vasculite leucocitoclástica pode ocorrer no contexto de doenças infecciosas e, em certos casos associados à positividade de p‐ANCA.

Doenças renais

Tabela 3: Resumo das principais lesões cutâneas associadas à uremia. Tabela adaptada de Leal et al., 2021.

Doenças gastrointestinais 

Tabela 4: Resumo das principais lesões cutâneas associadas às doenças gastrointestinais. Tabela adaptada de Leal et al., 2021.

Doenças hepáticas

Tabela 5: Resumo das principais lesões cutâneas associadas às doenças hepáticas. Tabela adaptada de Leal et al., 2021.

Doenças oncológicas

Muitas condições cutâneas podem se correlacionar a malignidades internas de formas específicas ou não específicas. Alguns critérios sugeridos por Curth podem aferir se a associação entre a lesão cutânea e a neoplasia é mais ou menos provável: Início simultâneo, curso paralelo, uniformidade de neoplasia, associação estatística e/ou genética.

Tabela 6: Resumo das Dermatoses proliferativas e inflamatórias. Tabela adaptada de Leal et al., 2021.

Prurido

Pode ser desencadeado na pele, diretamente, por estímulos mecânicos ou térmicos ou, indiretamente, por mediadores químicos ou ainda, no sistema nervoso periférico, por alteração na inervação local, ou no sistema nervoso central sem estímulo periférico.

A investigação do prurido se inicia por uma anamnese detalhada. Importante caracterizar o prurido (generalizado ou localizado, data do início, variação ao longo do dia e fatores que intensificam ou amenizam) e questionar sobre uso de fármacos, viagens recentes, acometimento de outros membros da família, local de trabalho, contato com animais e/ou alérgenos e sinais sistêmicos. Em seguida, o exame físico, incluindo as regiões genital, interdigital, olhos e mamilos, na tentativa de identificar lesões inflamatórias ou infecciosas primárias que permitam o diagnóstico de alguma afecção dermatológica. Se não identificada, é necessário avaliar os remédios em uso. Caso não haja nenhum suspeito, deve‐se considerar a possibilidade de doença neurológica ou sistêmica e exames laboratoriais devem ser solicitados.

As causas sistêmicas incluem uma miríade de enfermidades, com suas peculiaridades. Seguem alguns exemplos:

  1. Hepático: cirrose biliar primária, hepatite C, colestase da gestação, induzida por fármaco..
  2. Renal: muito intenso, pior à noite, podendo evoluir para prurigo nodular, doença de Kyrle. A área mais acometida é o dorso, seguida de braços, cabeça e abdome.
  3. Hematopoiético: linfoma, mastocitose, policitemia vera, anemia ferropriva, leucemias, mieloma múltiplo e mielodisplasias.
  4. Endocrinológico: no hipertireoidismo, podendo ser o primeiro sintoma da doença; no diabetes, prurido mais localizado; e na mastocitose, refratário, com presença de urticária, angioedema, intolerância ao calor e alterações sistêmicas.
  5. Colagenoses: avaliar os medicamentos usados, pois podem causar direta ou indiretamente prurido. Na dermatomiosite, síndrome de Sjögren e lúpus, o prurido pode preceder a doença em até 10 anos. Já na esclerodermia, é tardio.
Manifestações cutâneas associadas à COVID-19

Um número consistente de relatos de casos foi publicado, descrevendo um espectro de manifestações cutâneas associadas à infecção por SARS‐CoV‐2. No entanto, imagens e achados histopatológicos dessas lesões raramente foram incluídos, dificultando a correlação causal entre a manifestação clínica dermatológica e a COVID‐19.

Alguns estudos demonstraram que erupções vesiculares geralmente surgem no início da doença, antes mesmo de outros sintomas. Caracteriza-se por lesões papulovesiculares monomórficas (diferenciando‐a da varicela), geralmente generalizadas, com acometimento predominante do tronco, com ou sem prurido.

Diversos tipos de lesões vasculares foram descritos na infecção por SARS‐CoV‐2, incluindo lesões chilblain‐like, livedoides, petequiais, purpúricas e necróticas. A maioria parece ter em sua fisiopatologia a formação de trombos intravasculares. Casos de púrpura trombocitopênica imune (PTI) e síndrome do anticorpo antifosfolipídio (SAF) foram descritos como manifestações cutâneas associadas à COVID‐19.

No entanto, as manifestações cutâneas associadas à infecção pelo SARS‐CoV‐2 podem ser múltiplas e de etiologia específica, de difícil comprovação etiológica ou, mais frequentemente, serem para‐virais, em decorrência de fenômenos inflamatórios liberados no curso da infecção ou, ainda, pela exposição a fármacos durante o período prodrômico ou de tratamento da doença.